quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Reflexões politicamente incorrectas

Dizia Eça de Queiroz, nos idos de oitocentos, que o cepticismo faz parte do bom gosto. A nossa elite intelectual, a começar por aquela de que o próprio Eça fez parte, pretendendo-se sofisticada, adoptou o cepticismo como atitude civilizada. Definitivamente enterrada a noção de divindidade pelo peso das evidências científicas, progressivamente foram eliminados todos os demais elementos que pudessem padecer do pecado da não-racionalidade. A ideia de nação, de realeza, os heróis pátrios, tudo foi arredado para os depósitos do obscurantismo e do reaccionarismo em nome de uma ideia unívoca de progresso em cuja construção estas peças não cabiam. Outros, de inspiração marxista, consideravam-nos meros intrumentos de dominação das massas alienadas - pensamento que fez escola entre a intelectualidade nativa - o que, não sendo totalmente errado em determinados contextos, está longe de explicar o fenómeno em toda a sua dimensão.
Ficámos assim desprovidos de ideais, de elementos de irracionalidade que, ao contrário do que as nossas cabeças bem pensantes defenderam, desempenham um papel na vida social, conferindo-lhe uma noção de transcendência, de continuidade, que ultrapasse as fronteiras do indivíduo e a mesmice da vida quotidiana. A existência de referências – seja um conceito abstracto de pátria, a realeza, enquanto depositária da história e da tradição, de figuras históricas, que representem determinados valores que nos edifiquem – são relevantes como bússulas que nos auxiliam a cultivar valores pelo exemplo ou a lutar por algo que ultrapasse o interesse próprio.
Ao invés disso, o cepticismo e o seu irmão, o cinismo, dedicam-se a meticulosamente desconstruir a exemplaridade das instituições tradicionais ou personagens pretéritas, procurando nelas a mácula, o defeito, o vício – que necessariamente se encontram em tudo o que é humano – e ampliam-nos, de tal forma que as suas virtudes, por enormes que sejam, são anuladas pelas suas fraquezas, por pouco relevantes que possam ser. E neste exercício de derrube de ídolos se compraz a mediocridade que, por um momento, se sente grande ao destruir e nivelar à sua medida o que é maior do que ela.
A título de exemplo, refira-se o que nos é dado por Lytton Strachey, biógrafo da Rainha Vitória. A Inglaterra, governada pelo common sense, pelo pragmatismo tão tipicamente inglês, profundamente empenhada na industrialização e no capitalismo financeiro, precisou de um símbolo, de uma ideia que mobilizasse todos e cada um, que apelasse a um ideal que superasse o contingente, o material. Os contemporâneos de Vitória encontraram esse ideal na ideia de Império, encarnado na Coroa “with its venerable antiquity, its sacred associations, its imposing spectacular array”.
Naturalmente, as referências mudam consoante o tempo e a geografia, mas a necessidade delas não. Citando novamente Strachey, constituem “that mystical element which, as it seems, can never quite be eradicated from the affairs of men”.

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