sábado, 29 de dezembro de 2012

Os liberais e a China

Impressiona-me o fascínio mais ou menos inconfessado e saloio de certos auto-proclamados liberais com o milagre económico chinês. As enormes taxas de crescimento, o nascimento quase espontâneo de grandes metrópoles, os grandes investimentos internos e externos, a ostentação de gosto duvidoso dos novos bilionários chineses, tudo isto deslumbra estes liberais que, basbaques, observam com deleite a emergência do dragão adormecido.
Todavia, nada no crescimento da China se deve aos princípios liberais. Há que recordar aos mais esquecidos que o país é governado por um regime comunista, consequentemente centralista e dirigista em matéria económica. Por outro lado, o governo chinês controla com mão de ferro a vida dos cidadãos nos mais diversos aspectos, cerceando fortemente as liberdades individuais, nos campos político, ideológico e religioso, chegando ao cúmulo de interferir na vida das famílias, limitando por decreto – como é de todos sabido – o número de filhos que cada casal pode gerar.
Tudo isto é profundamente anti-liberal e causaria arrepios a Adam Smith, Stuart Mill ou aos autores dos Federalist Papers. Mas aos liberais nativos, não. E porquê? Por uma simples razão: porque, em boa verdade, não são liberais

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Da pulhice em política

A posição de Passos Coelho em relação às pensões mais elevadas é uma pulhice, um modo de actuação cada vez mais frequente na vida política nacional.
A estratégia é simples e já havia sido usada por Sócrates na batalha que travou contra os juízes a propósito das férias judiciais: apelando aos mais baixos sentimentos das pessoas, explorando a inveja social contra supostos privilegiados, Passos Coelho pretende criar um ambiente de hostilidade contra um grupo alvo – no caso vertente, certos pensionistas -  desacreditando-o aos olhos da opinião pública, para depois o atacar com a complacência ou, até, com a aprovação popular. Neste caso, a sua estratégia visa também enfraquecer um eventual chumbo pelo Tribunal Constitucional da taxa aplicada às pensões mais elevadas.
Por outro lado, o primeiro-ministro tem falado das pensões como se estas fossem uma contribuição voluntariosa e benevolente do Estado para com os seus beneficiários. Nada mais falso. As pensões são a prestação que o Estado paga como contrapartida dos descontos que o trabalhador e a respectiva entidade patronal fizeram para a Segurança Social, correpondendo o seu valor às importâncias descontadas. Exceptuam-se as pensões atribuídas a detentores de cargos políticos, que beneficiaram de condições mais favoráveis – essa sim, uma situação injustificável, mas que foi já corrigida para futuros casos - mas que Passos Coelho, ao arrepio do Direito, pretende tornar retroactiva, através desta taxa.
Em suma, Passos denigre primeiro para melhor atacar depois. Como dizia Camus “quando não se tem carácter, é preciso recorrer a um método”.