quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Do miserabilismo



É particularmente irritante o discurso depressivo-conformista que tomou conta do espaço público neste país. Todos os dias somos bombardeados dezenas de vezes com as palavras crise, austeridade, pobreza. A comunicação social parece padecer de uma monomania, tudo serve de pretexto para falar da crise, os programas de televisão ensinam-nos a poupar no vestuário, nas férias, a regrar as contas domésticas, a cozinhar pratos módicos; a publicidade também não escapa à tendência, divulgando produtos com desconto, cabazes de compras, tudo supostamente destinado a amenizar os efeitos da austeridade nas bolsas das famílias.
Reabilitámos, portanto, a imagem salazarista do povo pobrezinho e resignado com a sua condição. Aceitamos a miséria, pronto, é a vida. Acresce que, além de termos que acatar com passividade bovina a pobreza, temos também que estar tristes e deprimidos. Diariamente aparecem histórias de famílias insolventes, do crescente recurso às ajudas sociais, do aumento do consumo de anti-depressivos. Ao menos, no tempo de Salazar – com proverbial hipocrisia, é certo – falava-se da pobreza alegre – “pobrete mas alegrete” dizia o povo – do pão e vinho sobre a mesa, o bastante para uma felicidade modesta.
Não iremos longe se persistirmos nesta obcessão colectiva. A crise existe, é grave, é para levar a sério, sentimo-la diariamente. Temos menos dinheiro, é certo, não podemos pagar extravagâncias, sabemo-lo bem, mas não é carpindo mágoas que damos a volta a isto. Confesso-me cansado do rosário de penas que desfiamos diariamente nesta ladaínha colectiva. Admito, porém, que de toda esta pretensa pedagogia sobre a crise, retive uma lição, que aplico disciplinadamente: poupo na electricidade não vendo televisão.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Acerca dos feriados



A decisão do Governo de suprimir os feriados de 5 de Outubro e 1 de Dezembro parece ser a mais razoável e equilibrada, evitando querelas sectárias. Ao optar por retirar o estatuto de feriado a estas duas datas históricas, monárquicos e republicanos são tratados por igual, pois se para os primeiros o dia 5 de Outubro é, por razões óbvias, um dia festivo, o 1 de Dezembro, evocando embora a data da restauração da independência - um evento transversal que poderá ser comemorado por todos -tornou-se, com o tempo, no dia em que os monárquicos prestam homenagem à instituição real e à dinastia então fundada.
A supressão do 25 de Abril seria mais problemática, pois é a data tida como fundadora do actual regime ( embora o 25 de Novembro me parecesse um dia mais adequado para tal comemoração, mas isso digo eu, assumido "reaccionário" ), mas também porque está mais próxima temporalmente, fazendo ainda parte da memória colectiva, o que não sucede com os feriados referidos acima, que a fraca consciência histórica dos portugueses ( e, no caso do 5 de Outubro, por nunca ter tido forte adesão popular, ou não fosse o militantismo republicano um fenómeno muito localizado geográfica e sociologicamente ) acabou por condenar à irrelevância das cerimónias oficiais.
Acresce que a supressão deste feriado geraria a proverbial berraria da esquerda, a chamar fascista a toda a gente, ao ver-se privada da sua festividade dilecta, na qual evoca o socialismo que ( felizmente ) não houve, ainda por cima por iniciativa de um governo de direita, berraria que o fim do 1º de Maio suscitaria também. No caso deste último, há ainda que ter em conta que é um feriado internacional, comemorado em numerosos países. Assim, parece inevitável que se mantenham, a bem dos nossos tímpanos.
No que ao 10 de Junho diz respeito, creio que é um feriado a manter, pois é o dia nacional, festividade observada na generalidade dos países.
Resta o Carnaval. Confesso que não simpatizo com a quadra, mas num país em "estado de circo" possivelmente faz sentido não deixar passar a data em branco.

sábado, 12 de novembro de 2011

Política precisa-se!

É bem verdade, todos o sabemos, que o país está falido e que teremos que alterar o nosso modo de vida, sustentado durante anos com empréstimos que nos asseguraram uma prosperidade temporária e ilusória. Assim sendo, a austeridade que nos é imposta é uma necessidade. Porém, o Governo está a tomar decisões de uma forma cega, pouco criteriosa, aparentemente indiferente às suas consequências. O efeito acumulado das medidas adoptadas ( diminuição de salários, aumento de impostos directos e indirectos, aumentos nos transportes públicos, supressão de regalias sociais ) terá um efeito brutal na vida de muitas famílias que têm a insolvência como destino assegurado. A imposição de restrições não pode ser feita de forma aleatória, como aparentemente tem sido. As contas podem bater certas, matematicamente tudo pode estar certíssimo, mas quem tem a responsabilidade do governo de um país tem que ter em conta os impactos das decisões que toma na vida concreta das pessoas. Uma governação de gabinete, puramente tecnocrática, afastada dos cidadãos, pode, portanto, causar danos graves no tecido social. A governança exige, naturalmente, rigor técnico para ser competente mas requer, igualmente, uma dimensão política, para que se não torne desumana.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Ligações perigosas

A Igreja de Inglaterra tem vivido dias conturbados por causa dos manifestantes acampados no largo fronteiro à Catedral de S. Paulo. A presença dos "indignados" ingleses junto do templo tem comprometido o seu normal funcionamento, o que levou as autoridades eclesiásticas, depois de amplas discussões e algumas demissões de permeio, a solicitarem uma providência cautelar, pedido que, entretanto, face à cizânia que causou entre os membros da Igreja, foi suspenso.
Não parece sensata a proximidade - não assumida, mas perfeitamente evidente - de alguns religiosos anglicanos com os manifestantes. Embora existam fundadas razões morais para condenar os excessos do capitalismo, não há, todavia, motivo para a simpatia com que vários sacerdotes olham para os manifestantes, pois o que move estes últimos é o ódio não apenas ao capitalismo, mas a todo o sistema político, económico e social, de que a própria Igreja Anglicana faz parte. A maioria destes são anarquistas e radicais de esquerda, que detestam o capitalismo tanto quanto odeiam a Monarquia, o Governo, o Parlamento ou a Igreja. Se tivessem poder para tal, os campistas de St. Paul de bom grado mandariam o Arcebispo de Cantuária para a companhia do senhor Madoff. Não caia a Igreja de Inglaterra na tentação de se enamorar dos manifestantes, pois deles receberá apenas um beijo de Judas.

O eclipse da política

A decisão do Governo grego de consultar os cidadãos sobre o plano de resgate da dívida, recentemente aprovado em Bruxelas, causou mais uma onda de pânico nos mercados, com a bolsas a cairem a pique. Imediatamente, surgiram vozes contestando o referendo decretado pelo Executivo helénico.
É profundamente lamentável que o nervosismo dos investidores condicione as livres decisões de um governo democrático, limitando o seu soberano direito de auscultar o povo sobre uma questão deste melindre e relevância. Neste momento, os mercados estão a condicionar as decisões de governos e povos, pondo em causa a independência dos Estados. Não é aceitável que tal suceda. O poder económico - não eleito, não escrutinado - não pode condicionar desta forma o poder político democrático. É, pois, necessário que os governantes ponham cobro a esta insurgência. Se não é aceitável que o poder político condicione em demasia o poder económico, pondo em causa a liberdade de iniciativa, condição básica de criação de riqueza, também não parece legítimo que o poder económico cerceie o poder político, tornando-o refém dos seus interesses. É necessário, pois, restabelecer um equilíbrio entre ambos, por forma a evitarmos uma ditadura dos mercados, tão lesiva como a ditadura política.