quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Em defesa do verdadeiro capitalismo

Se Lady Thatcher tivesse mantido a lucidez até ao fim dos seus dias, teria decerto morrido atormentada. Convicta defensora do capitalismo, historicamente o único sistema económico que garantiu a democracia política (embora sempre tenha havido Estados não democráticos com economias capitalistas, embora não autênticas, como adiante se explica), decerto teria ficado chocada com a rápida emergência da China, país comunista com economia de tipo capitalista. Se Thatcher acreditava convictamente no capitalismo, não odiava com menos convicção o comunismo, que, com a coragem que apoiantes e adversários unanimemente lhe reconheceram, frontalmente combateu, ao lado do Presidente Reagan. A emergência de um adversário do Ocidente – dos seus valores, do seu modo de vida e da sua organização política e social – precisamente através do sistema económico que o fez dominante durante séculos é um fenómeno desarmante e que seguramente lhe causaria sérias dúvidas epistemológicas. Com efeito, o declínio do mundo ocidental, de que a Europa está a ser a primeira vítima, está, em parte, a ser causado pelo crescimento desmesurado do dragão chinês, sobretudo pela concorrência imbatível e pela consequente deslocação de capital que promove. Mas as dúvidas que Thatcher teria, têm-nas todos os que, no seu campo político, conhecem a História, ou porque a viveram, ou porque têm por formação dela conhecimento. Por isso, não surpreende a clivagem geracional que hoje encontramos na direita. Os mais velhos vêem no capitalismo actual motivos de preocupação, pois percebem que o modo de vida que este permitiu construir está a ser destruído por ele. Os mais jovens, sobretudo os que ou desconhecem a História ou convenientemente a esqueceram, sentem um fascínio bacoco com os mistérios de uma circulação financeira descontrolada que ninguém, ou muito poucos, sabem como funciona, com os novos milionários criados em semanas, com os arranha-céus e os consumos sumptuários dos Estados emergentes. Como diz um distinto homem da velha direita, um dos que conheceu a Guerra Fria e que sabe o que nela esteve em causa – o Prof. Adriano Moreira – vivemos na era do neo-riquismo, do fascínio pelo lucro imediato e fácil de poucos à custa do empobrecimento de muitos, entre os quais nos encontramos nós, os ocidentais. Disso não parece ter consciência a nova direita, ofuscada por esse ambiente novo-rico, feito de cifras, percentagens e cotações bolsistas. Por isso, para aqueles que, na direita, acreditam na democracia, no bem-estar, numa sociedade equitativa e justa e no verdadeiro capitalismo, o actual rumo deste sistema económico é causa de grande preocupação. Concebido como meio de libertação do homem (as gentes de esquerda não pensam assim, pois vêem o sistema capitalista apenas como exploração, mas isso é lá com eles), o capitalismo permitiu a livre iniciativa, a conquista da liberdade pelo trabalho e pela criação de riqueza, a circulação de pessoas e bens, o florescimento das cidades e com elas das artes, da cultura, do debate intelectual; provocou, enfim, o ocaso do modo de organização medieval, que subjugava e oprimia. Com o capitalismo veio a mobilidade social ascendente e com ela a reivindicação de direitos políticos e sociais, primeiro por artífices, mercadores e comerciantes, depois pelos trabalhadores. Hoje, porém, é o oposto que se verifica: o capitalismo está a pôr em causa a liberdade dos homens e os justos equilíbrios sobre os quais ela se sustenta. Só que ao pôr em causa a liberdade, o capitalismo põe-se a sim mesmo em causa, pois não existe sem aquela, da mesma forma que aquela não existe sem este. Um capitalismo que não serve a liberdade, não é capitalismo, está condenado a novas formas de monopolismo ou oligopolismo, seja de Estado – caso da China – seja de privados, e isto não é capitalismo. Em suma, sem homens livres, não há livre empresa e sem livre empresa, não há capitalismo. Capitalismo e Liberdade nasceram juntos e completam-se: a negação de um é a negação do outro.