sábado, 29 de dezembro de 2012

Os liberais e a China

Impressiona-me o fascínio mais ou menos inconfessado e saloio de certos auto-proclamados liberais com o milagre económico chinês. As enormes taxas de crescimento, o nascimento quase espontâneo de grandes metrópoles, os grandes investimentos internos e externos, a ostentação de gosto duvidoso dos novos bilionários chineses, tudo isto deslumbra estes liberais que, basbaques, observam com deleite a emergência do dragão adormecido.
Todavia, nada no crescimento da China se deve aos princípios liberais. Há que recordar aos mais esquecidos que o país é governado por um regime comunista, consequentemente centralista e dirigista em matéria económica. Por outro lado, o governo chinês controla com mão de ferro a vida dos cidadãos nos mais diversos aspectos, cerceando fortemente as liberdades individuais, nos campos político, ideológico e religioso, chegando ao cúmulo de interferir na vida das famílias, limitando por decreto – como é de todos sabido – o número de filhos que cada casal pode gerar.
Tudo isto é profundamente anti-liberal e causaria arrepios a Adam Smith, Stuart Mill ou aos autores dos Federalist Papers. Mas aos liberais nativos, não. E porquê? Por uma simples razão: porque, em boa verdade, não são liberais

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Da pulhice em política

A posição de Passos Coelho em relação às pensões mais elevadas é uma pulhice, um modo de actuação cada vez mais frequente na vida política nacional.
A estratégia é simples e já havia sido usada por Sócrates na batalha que travou contra os juízes a propósito das férias judiciais: apelando aos mais baixos sentimentos das pessoas, explorando a inveja social contra supostos privilegiados, Passos Coelho pretende criar um ambiente de hostilidade contra um grupo alvo – no caso vertente, certos pensionistas -  desacreditando-o aos olhos da opinião pública, para depois o atacar com a complacência ou, até, com a aprovação popular. Neste caso, a sua estratégia visa também enfraquecer um eventual chumbo pelo Tribunal Constitucional da taxa aplicada às pensões mais elevadas.
Por outro lado, o primeiro-ministro tem falado das pensões como se estas fossem uma contribuição voluntariosa e benevolente do Estado para com os seus beneficiários. Nada mais falso. As pensões são a prestação que o Estado paga como contrapartida dos descontos que o trabalhador e a respectiva entidade patronal fizeram para a Segurança Social, correpondendo o seu valor às importâncias descontadas. Exceptuam-se as pensões atribuídas a detentores de cargos políticos, que beneficiaram de condições mais favoráveis – essa sim, uma situação injustificável, mas que foi já corrigida para futuros casos - mas que Passos Coelho, ao arrepio do Direito, pretende tornar retroactiva, através desta taxa.
Em suma, Passos denigre primeiro para melhor atacar depois. Como dizia Camus “quando não se tem carácter, é preciso recorrer a um método”.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Revisão



O Governo, que agora denuncia a Constituição da República, por considerá-la desajustada da realidade presente e de ter uma determinada orientação ideológica, não deixa de ter parcialmente razão. De facto, a Lei Fundamental foi elaborada no pior momento possível, no decurso de um período revolucionário que condicionou a liberdade dos deputados constituintes, limitados pela imposição do Pacto MFA/Partidos e pela pressão da rua, controlada  pelo PCP e pela extrema-esquerda, com o respaldo de alguns sectores militares.
Idealmente, um documento desta relevância deve ser elaborado em período de paz social e política, sem pressões de qualquer espécie. Por definição, não sendo imutável, a Constituição deve ser perene, devendo definir as regras básicas de funcionamento do Estado e da Sociedade, sem plasmar qualquer tendência doutrinária ou ideológica. Assim não sucedeu, infelizmente, no período de 1975-76.
Porém, da mesma forma que o período revolucionário moldou a Constituição, distorcendo-a num determinado sentido, uma revisão efectuada no presente contexto, também ele de grave crise, limitará necessariamente a margem de manobra dos deputados, forçando-os a reelaborar o texto constitucional em função de critérios conjunturais. Assim, o argumento do Governo perde validade. Se os governantes pretendem rever a Constituição, libertando-a das contingências da revolução, que o façam -  estão no seu direito - mas não para a agrilhoarem, desta feita, às contingências da crise financeira.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

It's politics, stupid!

A estratégia é simples: Passos Coelho propõe uma renegociação do Memorando, fazendo-a depender da revisão constitucional, revisão essa que sabe que o PS não aceitará. Desta forma, culpa Seguro pela manutenção da actual política de austeridade

domingo, 14 de outubro de 2012

Não há direito, Senhor Bastonário!

O senhor Bastonário da Ordem dos Advogados, com a sua proverbial verborreia, declarou que as medidas de austeridade definidas pelo Governo são decisões políticas e que, consequentmente, não deverão ser escrutinadas pelos tribunais. Ora, a posição sustentada por Marinho Pinto, se levada às últimas consequências, conduziria à ditadura. Se os tribunais deixassem de ter legitimidade para avaliar da legalidade e constitucionalidade dos diplomas, todas as decisões políticas seriam possíveis, ou seja, o poder  executivo tornar-se-ia irrestrito.
Que o Bastonário da Ordem dos Advogados, movido, como é sabido, por um mesquinho ódio corporativo à magistratura, ignore o fundamental princípio do império da lei, sobre o qual assenta o Estado de Direito, é por demais grave e devia motivar o seu imediato afastamento do cargo.

sábado, 13 de outubro de 2012

Com o devido respeito...

.... as declarações do Senhor Cardeal Patriarca acerca das manifestações recentemente organizadas no país – a terem sido reproduzidas com precisão pela imprensa – causaram-me algum desapontamento.
A  democracia não se circunscreve ao voto, exercendo-se de múltiplas formas, inclusivamente através de manifestações, eventos perfeitamente comuns em todos os países livres e um direito constitucionalmente consagrado. A manifestação é um acto democrático, tal como o voto, a petição ou o abaixo-assinado, é uma forma mais de exercício cívico e que não anula as demais. Se tivermos ainda em conta que as manifestações em Portugal têm decorrido de forma pacífica e conforme os ditames da lei – contrariamente ao que sucede em Espanha e na Grécia – as palavras do Senhor D. José Policarpo tornam-se ainda menos compreensíveis.
Por outro lado, conhecendo a Igreja Católica muito bem a situação social do país, dado o seu precioso contributo para acudir aos que, em número crescente, procuram aliviar a miséria em que se encontram através da caridade cristã, a aparente incompreensão de Sua Eminência em relação às manifestações e às suas causas é verdadeiramente surpreendente.

sábado, 29 de setembro de 2012

Portugal no tubo de ensaio



Desde há muito que as elites portuguesas, totalmente desconhecedoras do mundo real e, consequentemente, sem o mínimo do elementar e sensato common sense, fazem do país um laboratório de experiências sociais. Lêem uns livros, normalmente com um atraso de décadas em relação ao resto da Europa, entusiasmam-se e resolvem aplicar sobre o pobre e incauto povo as teorias que lhes causaram êxtases intelectuais.
O republicanos radicais tentaram, no início do Século XX, construir no Portugal católico uma república jacobina. Seguindo o modelo francês, velho de mais de um século, mataram o Rei e perseguiram os padres. No Estado Novo, vários eram os projectos de uma sociedade nova: desde os nacionais-sindicalistas, que sonhavam com um Portugal fascista, com  Salazar como uma espécie de Mussolini de toga, passando pelos integralistas, que pretendiam fazer renascer dos rendilhados góticos das igrejas o reino medieval dos concelhos e das cortes.
Depois veio o 25 de Abril, que planeou para a felicidade geral das gentes o socialismo, que assumiu as mais variadas formas: o socialismo à soviética do PC, o maoísta do MRPP ou o socialismo original e português, que o CDS foi obrigado a inventar à última da hora, para não ser ilegalizado pelo MFA.
Agora é o neo-liberalismo: algumas – felizmente poucas – cabeças autoproclamadas bem-pensantes descobriram que o Estado é o pior de todos os males e que os direitos que todos pensavam ser conquistas de civilização são, afinal de contas, a consagração institucional da preguiça e do comodismo nacionais.
E assim vamos, cantando e rindo – cada vez menos – de experiência em experiência, até à explosão final.

Clarificação precisa-se


Pela forma tão convicta quanto arrogante e malcriada como António Borges defendeu a descida da TSU (um exemplo mais de que o dinheiro e o status não são sinónimos de boa educação),  não é difícil perceber que a medida foi ideia sua. Aliás, a orientação geral do Governo tem sido decalcada do seu pensamento. Borges sempre se furtou ao escrutínio popular, preferindo a confortável posição de poder atrás do trono, influenciando a governação sem o ónus da exposição pública, que delega naqueles que estão dispostos a desempenhar o pouco digno papel de testas de ferro das suas decisões. Ora, não sendo Borges primeiro-ministro nem membro do Executivo, não é aceitável que determine, sem a necessária legitimidade institucional e democrática, as orientações políticas da Nação. A opacidade é inimiga da democracia, logo, se o PSD e o CDS pretendem que o conselheiro para as privatizações mande no país, das duas uma: ou provocam a demissão de Passos Coelho e propõem Borges ao Presidente da República para o cargo de chefe do Governo ou, caso Cavaco Silva o não aceite (o mais provável), precipitam eleições e apresentam-no como candidato.
O que não é aceitável é que tenhamos dois primeiros-ministros: Passos Coelho, o primeiro-ministro de jure e António Borges, o primeiro-ministro de facto. Clarificação precisa-se.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Catalunha

A situação política actual na Catalunha faz descrer da democracia e da classe política. O presidente do Governo regional catalão, Artur Mas, num acto de oportunismo dos mais soezes de que há memória em tempos recentes, veio colocar uma vez mais à discussão a questão da independência da região. O caso parece ser de tal modo sério que o Rei Juan Carlos já se pronunciou sobre ela por duas vezes no espaço de uma semana, circunstância muito rara.
Naturalmente, é admissível que a questão seja debatida, pois em democracia não há assuntos interditos. Fazê-lo, porém, à boleia da crise económica que a Espanha vive presentemente, procurando capitalizar apoios à sua causa aproveitando-se do descontentamento conjuntural gerado pelas dificuldades económicas, é vergonhoso. Por outro lado, a desvinculação do Estado espanhol neste momento, em que todos precisam de todos – é bom não esquecer que o governo catalão pediu há semanas um empréstimo a Madrid, para escapar à falência – seria de um egoísmo atroz. Relutantemente ou não, o facto é que a Catalunha faz parte de uma unidade política há mais de cinco séculos e a constatação de que a sorte de castelhanos, andaluzes ou galegos parece ser indiferente a alguns políticos catalães, revela-nos o estado de degradação a que chegou a política, um autêntico vácuo ético e moral.
Esperemos que os catalães não se deixem enganar pelas manobras desta gente sem qualidades e as repudiem com veemência.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

É triste


Ao fazer pesquisas na imprensa, tenho por hábito dar alguma atenção aos anúncios dos espectáculos musicais, nomeadamente os de S. Carlos, da Gulbenkian e do Coliseu do Recreios, bem como aos artigos de crítica que sobre estes eram escritos. Noto que por cá, em meados da década de setenta, a atenção dada aos concertos e óperas era bastante razoável. Por outro lado, não é raro tropeçar em nomes de grandes intérpretes: só hoje, encontrei referências a um Messias de Handel, dirigido por John Eliot Gardiner e a um recital de Edda Moser.
O que me espanta e, simultaneamente me frustra, é o facto de hoje em dia o panorama musical português ser uma pálida sombra  do que era nestes tempos (excepção feita à Gulbenkian, que continua a ser o balão de oxigénio que nos vai mantendo intelectualmente vivos, embora já tenha tido melhores tempos). Portugal, no período a que me refiro, era um país mais pobre do que hoje,  vivia uma convulsão política e social, tinha a sua população bruscamente acrescida por centenas de milhares de cidadãos recém-chegados do antigo Ultramar sem casa e sem emprego, uma economia desordenada pelas nacionalizações e por surtos grevistas e mesmo assim foi possível trazer aos nossos palcos os maiores artistas do tempo.
O que se passa então actualmente? A culpa não é, não pode ser, só da crise financeira. É culpa sim da exiguidade intelectual de grande parte da elite política, indiferente à cultura porque a não percebem e porque, não dando votos, não interessa.
Até a Grécia, cujas contas públicas estão em estado de maior ruína que o Parténon, mantêm o seu teatro de ópera a funcionar regularmente. Só nós não temos dinheiro para tal – é o que dizem - e mantemos o soberbo Teatro de São Carlos com uma temporada de curto prazo  - temporada Outono/Inverno como agora lhe chamam, mais parecendo uma colecção de moda – dependente de dotação orçamental para prosseguir – se Passos Coelho deixar – em 2013.
É triste.

domingo, 23 de setembro de 2012

A monomania do socialismo

Chega a ser engraçado ler blogues como o Blasfémias ou o Insurgente, escritos por gente válida e inteligente, mas aparentemente privados de razão pela monomania do socialismo. Já aqui falei sobre isto, esta gente vê socialistas em cada esquina, escrevem dezenas de posts repetitivos a denunciá-los, com a tenacidade de guardiães do templo, sendo que, para eles, todo aquele que não defenda acriticamente o Governo de Passos Coelho, seja de esquerda ou da direita, monárquico ou republicano, católico ou ateu, é irremediavelmente um socialista.
Sucede que o presente Executivo será porventura o mais socialista dos governos que Portugal já conheceu desde os tempos do general Vasco Gonçalves. De facto, desde o início do presente regime, nunca o Estado consumiu tantos recursos da economia privada – famílias e empresas – como este. Nunca um Governo, por via do esbulho fiscal, condicionou tanto a vida dos cidadãos como este. Nunca um Primeiro-Ministro tratou os portugueses com um paternalismo castigador e pesporrente, como este. Isto sim, é socialismo.

Do arrivismo


Andrew Mitchell, que desempenha as funções de chief whip do Partido Conservador britânico – uma espécie de líder do grupo parlamentar – envolveu-se há dias num conflito com agentes da polícia, quando estacionava a sua bicicleta em Downing St. Na troca de palavras com os agentes da autoridade, ter-lhes-á dito, aos berros, que se pusessem no seu lugar e que não passavam de plebeus.
Ora, para além da irritação que me causam estes conservadores com tiques modernaços, à la Boris Johnson, que entendem que por andarem de bicicleta dão do conservadorismo uma imagem contemporânea e cool, entendo que o comportamento do sr. Mitchell é a vários títulos lamentável e totalmente contrário à tradição tory. Desde logo pelo comportamento desrespeitoso em relação à polícia. Para os conservadores, as forças da autoridade são merecedoras da maior consideração, enquanto representantes da autoridade do Estado e garantes da ordem, tidos como valores fundamentais da sua cultura política. Por outro lado, o seu comportamento revela uma arrogância nova-rica, em completo contraste com a atitude conservadora que, entendendo a sociedade como uma estrutura vertical e estratificada, respeita todos e cada um, independente do lugar que lhe caiba. O dirigente conservador deu uma triste imagem de si mesmo, revelando-se um arrivista, pois quem tem necessidade de lembrar aos outros a respectiva posição na escala social, é porque não está seguro da sua. Ora o arrivismo não é aceitável no partido de Disraeli, Salisbury e Churchill.
Parece que a Cameron não resta alternativa que não a de pôr Mitchell no devido lugar: na rua.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Ou nos refundamos ou afundamos

Começa a falar-se na imprensa na eventualidade da nomeação de um governo de iniciativa presidencial, consequência talvez da reunião na sexta-feira do Conselho de Estado, na qual, alguns esperam, se delibere nesse sentido.
Numa democracia consolidada, um governo que não saia directamente das urnas não é uma boa solução. Se for adoptada, será apenas a solução possível, solução essa que significa que o actual sistema partidário não foi capaz de exercer um dos seus deveres fundamentais: o de criar governos estáveis. Assim sendo, algo terá que mudar para que a democracia sobreviva: aos partidos, caberá reformarem-se profundamente, para que voltem a desempenhar a missão essencial que lhes cabe no regime; à sociedade civil, competirá mobilizar-se para criar novas forças políticas, que tornem o sistema mais plural e representativo, logo, mais democrático. Em suma, o sistema político-partidário terá que ser profundamente repensado, refundado até.
Se, volvidas quase quatro décadas de democracia, fracassarmos neste propósito, não sei o que se seguirá, mas, o que quer que seja, não será bom seguramente.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O mundo a preto e branco

Em alguns blogues favoráveis à política económica do actual governo, espelha-se o sectarismo que sempre dominou o debate público neste país. Se, nos idos de 75 quem não era socialista era fatalmente fascista, hoje em dia quem não aplaude de pé Passos e Gaspar é socialista. Temos assim a chocante revelação de que personalidades como Manuela Ferreira Leite, Bagão Felix e, pasme-se, o Prof. Adriano Moreira, são socialistas. Esta táctica de desvalorização do adversário, etiquetando-o disto ou daquilo, é uma pura fuga à discussão racional e fundamentada, logo um acto cobarde. É o fruto da mistura explosiva de indigência intelectual - endémica entre nós -, de sectarismo servil - para agradar ao chefe na esperança de uma sinecura - e de uma espécie de clubismo em que os "nossos", só porque o são, têm sempre razão, sendo impensável  o reconhecimento de validade ao argumento do adversário, gesto que é fatalmente denunciado - seguindo o velho adágio "quem não está por nós, está contra nós" - como uma traição de vira-casacas.
Posto isto, o debate político em Portugal torna-se impossível, vítima deste bloqueio maniqueísta, que nos manieta e nos condena fatalmente à pobreza das ideias e à verbosidade oca.

sábado, 8 de setembro de 2012

Quer-me parecer...

... que algumas das medidas anunciadas ontem pelo Primeiro-Ministro são inconstitucionais, nomeadamente a manutenção do corte dos dois subsídios aos pensionistas ( que são oriundos, recorde-se, dos sectores público e privado ). Passos quer definitivamente, como escrevi anteriormente, vingar-se do TC, senão vejamos: se, instado a pronunciar-se sobre estas decisões governamentais, decidir no mesmo sentido, o Governo vitimiza-se, alegando que o tribunal é uma "força de bloqueio" que o impede de exercer o seu mandato; se, pelo contrário, os juízes, sentindo-se pressionados pela ameaça de tal acusação, decidirem em sentido diferente, condenarão a instituição ao descrédito e à irrelevância. Em qualquer dos casos, a posição do TC é ingrata.
Passos revela, de facto, habilidade, mas apenas na jogada política, no tacticismo, na golpada chico-esperta, o que não surpreeende, pois é fundamentalmente um produto partidário.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Em resumo...

... Passos Coelho quis vingar-se do Tribunal Constitucional, fintando o acordão que declarou inconstitucional o corte dos subsídios da função pública através de uma jogada contabilística. O espírito de vingança é um defeito muito grave, ainda mais num chefe de governo. Não estamos no bom caminho, Dr. Passos.

domingo, 2 de setembro de 2012

It´s the democracy, stupid!


Uma jovem participante na Universidade de Verão do PSD  terá perguntado a Cândida Almeida se estava em curso alguma investigação relacionada com os rendimentos de José Sócrates. Uma jornalista, que cobria o evento, referiu-se a esta pergunta como uma ousadia. Ousadia porquê? O escrutínio dos detentores de cargos públicos é um acto perfeitamente normal num regime livre, não deve causar qualquer estranheza ou estupefacção. Somente neste país com espírito de amanuense ou criado de mesa, subserviente e temeroso em relação aos poderosos, se pode considerar um atrevimento formular tal questão. Há quase quatro décadas que vivemos em democracia mas, pelos vistos, ainda não percebemos como funciona.

domingo, 26 de agosto de 2012

O estranho liberalismo de António Borges


O dr. António Borges, um homem de formação liberal, veio defender que a principal fonte de financiamento da empresa concessionária do serviço público de televisão será a taxa de audiovisual, cobrada na factura da electricidade. Ora se o serviço público deixar de ser fornecido por dois canais, mas apenas por um, qualquer liberal concordará que não faz sentido que o cliente - ou seja, todos nós - pague a mesma quantia por apenas metade do serviço. Consequentemente, o valor da taxa terá de diminuir. Estou certo que é este o pensamento do dr. António Borges. Se não for, é caso para perguntar em que variante do pensamento económico liberal se filia.

sábado, 18 de agosto de 2012

Do ridículo

É lamentável a posição a que o presidente equatoriano submeteu o seu país, ainda por cima por causa de um homem de reputação mais do que duvidosa como o senhor Assange. Doentiamente egocêntrico e megalómano, Assange atribui-se uma importância que não tem, assumindo o papel de mártir da liberdade de informação. O direito ao disparate é livre e se o senhor da Wikileaks pretende fazer uma triste figura, está no seu direito. Que um Estado soberano o secunde é que é de condenar.
Em nome do combate ao colonialismo – o sempiterno argumento dos tiranetes ou candidatos a tal na América Latina, para agitar as massas – o Presidente do Equador entendeu conceder asilo a Assange, não porque esteja minimamente preocupado com ele, mas tão só porque quer aumentar a sua popularidade, desafiando os poderosos deste mundo. E, na óbvia ausência de argumentos válidos, recorre a motivos absurdos, como a suposta ausência de garantias de imparcialidade do sistema judicial sueco ( o facto da Suécia ser um dos países menos corrputos do mundo é um detalhe sem importância ) ou a possibilidade de Assange ser extraditado para os EUA onde poderá estar sujeito à pena de morte ( ignorando, ou fingindo ignorar, que os países da UE não podem extraditar um cidadão quando passível de condenação à pena capital ).
Assim, por puro populismo, o presidente Correa não hesita em sujeitar o seu país à ridícula posição de defensor do indefensável Julien Assange.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Bom senso e bom gosto

O vídeo das Pussy Riot é insensato e de gosto muito duvidoso. Porém, o bom senso e o bom gosto não se julgam nos tribunais.

domingo, 12 de agosto de 2012

Britain rules!


E eis que os ingleses puseram cidadãos de todo o mundo a desenhar a Union Jack.

Acerca dos Jogos Olímpicos

"The Olympics were an unapologetic festival of competitiveness, pursuit of individual excellence, almost superhuman self-discipline, and uncompromising reward for merit. They were, in other words, a celebration of all those aspects of the human condition which the political fashion and educational ideology of the past 40 years has attempted to denigrate. And the country loved it. Indeed, it was ecstatically untroubled by the fact that some people – who were exceptionally talented and phenomenally dedicated – won, and some other people, with considerable courage and no dishonour, lost."

Janet Daley, The Telegraph

domingo, 29 de julho de 2012

Uma questão de civilização




Enquanto por cá alguns, sem fazerem a mínima ideia do que estão a falar, defendem a desarticulação do SNS, no Reino Unido presta-se homenagem ao serviço público de saúde na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos, elencando-o como uma das grandes conquistas do país, a par da Revolução Industrial e da indústria do entretenimento. De facto, temos ainda que percorrer um longo caminho até chegarmos aos calcanhares daquela gente.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Ironias

A Catalunha, que no ano passado proibiu as touradas por serem uma festa espanhola e que há meses se propunha eliminar o nome do Rei Juan Carlos da rua de uma das suas cidades, vem agora pedir assistência financeira ao governo de Madrid. Irónico, não?

sábado, 21 de julho de 2012

Bravo, Miss Casey!

 

Problem families 'have too many children’

Mothers in large problem families should be “ashamed” of the damage they are doing to society and stop having children, a senior government adviser warns today.

Finalmente, alguém parece ter tido a coragem de chamar à responsabilidade as famílias eufemisticamente designadas de "problemáticas". É de esperar que a brigada da correcção política fuzile politicamente esta representante do governo britânico com recurso ao seu arsenal demagógico. Mas uma coisa é certa: o seu diagnóstico sobre as famílias que vivem às custas do Estado Social há várias gerações e que se recusam a qualquer forma de integração na sociedade que sustenta o seu modo de vida, é pragmático e realista e por isso digno de elogio. É ver a série da BBC Shameless ou a personagem caricatural Vicky Pollard na Little Britain, para perceber do que esta senhora fala. Parabéns, Miss Casey, pela coragem e frontalidade!

terça-feira, 17 de julho de 2012

É a mão invisível, estúpido!

Fees that can halve the value of your pension

O PS e o Altar

As declarações de D. Januário Torgal Ferreira ontem na TVI24 são inconcebíveis. Não só destratou os membros do Governo – politicamente questionável, como todos em democracia, mas legítimo, porque eleito pelo voto do povo – como, de uma assentada, pôs em causa a honestidade de todos os seus membros, leviandade inaceitável. Mais, estabelecendo uma analogia com a visão cristã do mundo, comparou este governo e o anterior aos anjos e demónios. Para além de ser extraordinário alguém classificar pessoas como José Sócrates, Mário Lino ou Paulo Campos de anjos, este paralelismo é, a todos os níveis, absurdo, além de revelar um sectarismo partidário desaconselhável a um membro da Igreja Católica.
É bem sabido que a Igreja estabeleceu desde cedo relações de proximidade com o PS. No período revolucionário, contra a ofensiva comunista e da extrema-esquerda, que ameaçava a democracia; mais tarde, porque o sector moderado do progressismo católico se acantonou naquele partido, sector esse visto com simpatia por parte da hierarquia,  fruto do posicionamento mais à esquerda de uns, bem como pelo desejo de uma demarcação rápida e ostensiva do Estado Novo de outros, mais facilmente assegurada por uma maior afinidade com os progressistas do que com os conservadores. Por outro lado, estando certa que jamais o PSD e o CDS lhe seriam hostis, porque partidos com eleitorado maioritariamente católico, a Igreja sempre namorou o PS, a unica força política da área da governação de onde poderiam partir ameaças à sua posição. Não sendo particularmente saudável esta relação, porque tendenciosa, ela assume, porém, proporções intoleráveis, quando a Igreja apoia notoriamente este partido. O quase silêncio da hierarquia em relação aos governos Sócrates que, ao legislar sobre o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, foram os executivos que mais feriram a Igreja desde os tempos de Afonso Costa e o contraste entre a parcimónia de comentários  sobre a política económica e social daqueles governos e as posições que em relação à coligação PSD/CDS se têm ouvido, permitem concluir que não existe nesta a exigível equidistância entre as forças políticas. Não deixa de ser verdade que a pobreza aumentou no último ano, mas não é menos verdade que tal é consequência da governação anterior, razão porque não é aceitável esta duplicidade de critérios.
 A Igreja não tem, nem deve ter, partido. E isso ficou claro, desde logo, numa passagem do Evangelho Segundo São Mateus. Parece, assim, sensato que alguns membros da hierarquia dispensem menos do seu tempo a fazer comentários televisivos e se ocupem mais da releitura das Sagradas Escrituras.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Rebelião conservadora



A rebelião de mais de cem parlamentares conservadores permitiu adiar a reforma da Câmara dos Lordes proposta pelo governo de coligação, chefiado pelo (pouco) conservador David Cameron, e que tinha por finalidade transformar a câmara alta do parlamento britânico num corpo eleito por sufrágio universal.
Esta reforma, a ser aprovada, subverte completamente este organismo, pois não só lhe dá uma legitimidade semelhante à Câmara dos Comuns - o voto - o que poderá criar conflitos entre ambas, mas também lhe retira o carácter de independência em relação aos humores da opinião pública de que os políticos eleitos estão cada vez mais reféns, independência essa que permite a existência no processo legislativo britânico de um saudável sistema de checks and balances, que assegura um maior equilíbrio e ponderação na elaboração das leis. Como alguém recentemente lembrava, num artigo publicado no Telegraph, durante o governo de Blair, a Câmara dos Comuns apenas por seis vezes chumbou projectos emanados do Executivo, enquanto a Câmara dos Lordes votou desfavoravelmente mais de quatrocentos, números reveladores da independência desta última.
Se a decisão de eliminar os pares hereditários, processo iniciado no consulado de Blair, desvirtuara já a vetusta instituição, como referi aqui, a reforma agora proposta - e em boa hora adiada - torna-a inútil porque redundante.

sábado, 7 de julho de 2012

Traição

Começa a surgir a ideia, alimentada por certos opinadores em blogues conotados com a direita, de que os funcionários públicos verão repostos os súbsídios de Natal e de férias à custa dos subsídios do sector privado, o que não só não é verdade, como pode criar entre os portugueses  - sim, porque antes de sermos trabalhadores do Estado, do privado, desempregados ou pensionistas, somos todos portugueses, convém lembrá-lo – uma divisão. Tentar dividir um povo é das coisas mais abjectas que se pode fazer e tem um nome – traição. Ver pessoas ditas de direita (sabem lá elas o que isso é), que tanto gostam de se reclamar patriotas,  fomentarem um clima animoso entre os filhos de uma mesma nação, é profundamente triste. Enquanto português que acredita nos verdadeiros valores da direita, sinto-me envergonhado.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

D. Manuel II


D. Manuel II, o último Rei de Portugal, morreu há precisamente oitenta anos, em Inglaterra, pátria de exilados, prematuramente, aos quarenta e dois anos.
Inesperadamente aclamado Rei, consequência da tragédia que se abateu sobre a sua família, D. Manuel, inexperiente e ainda muito jovem, foi chamado a cumprir a penosa e quase impossível tarefa de chefiar um Estado consumido pela corrupção moral e material, em bancarrota, cujo regime político mostrava claros sinais de esgotamento. Dois anos e alguns meses depois da sua aclamação, deu-se a primeira derrocada do regime constitucional liberal, que acabaria por ruir totalmente em 1926. Forçado ao exílio, desapossado de grande parte dos seus bens, viveu o resto da sua vida no cumprimento do régio dever de serviço à pátria, quer acompanhando atentamente a evolução da situação política portuguesa, quer, sobretudo, através do estudo dos livros antigos portugueses, em que se tornou especialista de renome.
Não regressou vivo à pátria que o expulsou, pois o regime republicano, por facciosismo, mas, acima de tudo, por insegurança, não permitiu que voltasse a pisar solo português. Deu-lhe funerais de Estado, é certo, mas nunca lhe fez justiça.
D. Manuel II era um homem culto, civilizado, discreto, digno, movido por uma sólida ética de serviço público. Não surpreende pois que tenha sido arredado do trono, porque Portugal sempre foi um país ingrato para com os seus melhores.


domingo, 24 de junho de 2012

Precedências

A lista de  precedências da Família Real inglesa foi recentemente revista pela Rainha Isabel II para nela integrar o seu mais recente membro, a Duquesa de Cambridge. Estes preceitos protocolares parecem, nos tempos igualitários em que vivemos, uma bizantinice anacrónica e incompreensível aos olhos da maioria.
Não encaro a questão assim. Em primeiro lugar - numa perspectiva algo romântica, admito, mas nem por isso menos legítima – considero o que o anacronismo tem o seu encanto, ao evocar uma sociedade que não existe mais, com uma linguagem simbólica muito própria, subtil e galante.
Por outro lado, a existência destes preceitos protocolares assume maior importância se encarados enquanto representação de dois valores que entendo tanto mais relevantes quanto mais vilipendiados têm sido: a tradição e a continuidade. A Monarquia é uma representação viva e actuante da História, garante um continuum entre o passado e o presente, é por assim dizer, uma presentificação do passado. Por outro lado, no caso concreto das precedências, estas remetem para uma ideia de estabilidade e permanência. Numa sociedade em constante e acelerada mutação, a existência de preceitos perenes transmite uma confortável sensação de segurança: cada um sabe qual o seu lugar e o que esperar dos outros. Numa analogia teatral, que aqui parece fazer todo o sentido, todos têm uma marcação bem definida no palco social, não há lugar à improvisação, à imprevisibilidade. É reconfortante saber que algumas coisas não mudam num mundo – como dizia Camões - composto de mudança e que constantemente assume novas qualidades.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Sentimento nacional



As imagens de entusiasmo e alegria que marcam os grandes acontecimentos da Monarquia britânica causam-me sempre uma certa frustração e – porque não dizê-lo – uma ponta de inveja. De facto, a Coroa assumiu desde os tempos da Rainha Vitória a representação da identidade nacional, do espírito de comunidade que une os falantes da língua inglesa – mesmo, até certo ponto, os norte-americanos -, que partilham uma história e uma cultura comuns. Este cimento que mantém unidos milhões de seres humanos de continentes, etnias, religiões, extractos económicos e sociais diversos, é uma mais-valia preciosa.
O sentimento de pertença a uma entidade que nos transcende  - que já existia quando nascemos e que perdurará após a nossa morte – e que cria laços com os nossos vizinhos, é fundamental para os combates com que colectivamente nos defrontamos. Uma nação cujos membros não sintam vínculos entre si mais não é, pois, que um agregado de indivíduos, cada um preocupado apenas consigo o que, sobretudo em momentos de crise – que exigem sacrifício e solidariedade – torna particularmente difícil a sua superação.
Em Portugal, infelizmente, nenhuma instituição desempenha semelhante função congregadora. O nosso país não tem uma mitologia nacional estruturada, consequência não apenas da ausência de cultura cívica da população, mas também dos complexos pós-25 de Abril que, estupidamente, associaram qualquer forma de nacionalismo ao Estado Novo. Por isso, e com grande pena minha, jamais poderemos assistir a eventos como os que tiveram lugar no Reino Unido nos últimos dias nem, temo bem, conseguiremos sair por meios próprios da crise em que todos os dias mergulhamos um pouco mais.

sábado, 2 de junho de 2012

God save The Queen!


“The Lady whom we respect because she is our Queen. and whom we love because she is herself”
Sir Winston Churchill

"All my life and for the lives of most people in this country she has always been there for us. Always dedicated, always resolute and always respected. She is a source of wisdom and continuity"
David Cameron




sábado, 19 de maio de 2012

A bem da Nação


Desgraçadamente, o Governo de Passos Coelho está a ficar demasiado parecido com o de José Sócrates. As pressões exercidas por Miguel Relvas sobre uma jornalista do Público, recorrendo a ameaças e chantagens, tornam inaceitável a sua permanência no Executivo. Embora seja difícil para o Primeiro Ministro - bem o sabemos - demitir um homem do aparelho partidário, a preservação da sua autoridade moral - tão necessária em tempos de sacrifícios - assim o exige. A bem da Nação, como se dizia outrora.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Imoral e perigoso

Gestores do PSI-20 ganham 44 vezes mais que os trabalhadores

Há alguns anos, o historiador Niall Ferguson - insuspeito de ser de esquerda - afirmava, perante uma notícia em tudo semelhante a esta, mas respeitante aos EUA, que não seria surpreendente que, em face de tamanha disparidade de rendimentos, os cidadãos se pudessem sentir tentados a apoiar um qualquer demagogo do calibre de Hugo Chavez.
De facto, para além deste fosso ser moralmente afrontoso, torna a sociedade demasiado desequilibrada, logo menos coesa, potenciando o confronto entre uma pequena cúpula, fechada no seu casulo dourado, e as  bases, cada vez mais empobrecidas. Se estas elites, ao invés de se entreterem a gastar milhões com uma voragem nova-rica, se dedicassem mais a ler livros de História, decerto perceberiam que estão a construir o seu próprio cadafalso, empurrando as multidões para os braços do primeiro populista que lhes venha falar dos amanhãs que cantam e que reclame a cabeça dos ricos como condição para a felicidade geral.
Como dizia Disraeli, primeiro-ministro conservador da rainha Vitória, do qual, estou certo, a maioria destes senhores nunca ouviu falar,  "The palace is not safe when the cottage is not happy".

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Praise the Lords


A reforma constitucional hoje anunciada pelo Governo britânico no Queen’s Speech, que contempla a eliminação dos poucos lugares ainda reservados aos pares hereditários na Câmara dos Lordes, é uma medida perigosa e injusta.
Perigosa porque ao pôr em causa o princípio hereditário como condição de acesso a um cargo público põe, em última instância, em xeque a própria Monarquia.
Injusta porque suprime a representação da aristocracia do derradeiro orgão de soberania onde ainda tinha assento, grupo social que esteve no epicentro da vida política no Reino Unido pelo menos até à II Guerra Mundial, altura em que a nobreza do resto da Europa já não desempenhava um papel relevante na vida pública, tendo sido inestimável o seu contributo para que este país fosse o que hoje é – uma grande nação e a mais antiga e sólida democracia do Mundo. De facto, relutantemente ou não, a aristocracia britânica aceitou – contrariamente a muitos dos seus pares em alguns países do continente – a democratização do sistema político, à custa do seu próprio poder. Há que não esquecer que os governos que promulgaram, com a necessária aprovação da Câmara dos Lordes, as sucessivas Reform Bills que alargaram o sufrágio popular, contavam, no seu elenco, com vários titulares. Por outro lado, os aristocratas nunca se furtaram a servir o seu país não apenas no Executivo, mas também nas Forças Armadas, na Diplomacia e na Magistratura, além de terem assumido – mais uma vez ao contrário dos nobres continentais – um papel relevante no progresso económico do país, investindo, empreendendo. Exemplo dessa ética de serviço público foi a participação do pariato na Grande Guerra: percentualmente, foi o grupo social mais afectado pelo conflito, pois um em cada cinco aristocratas que partiu para o campo de batalha – e foram muitos – não regressou a casa.
Não parece, pois, justo que este extracto da sociedade britânica seja liminarmente arredado dos assuntos públicos e não apenas por razões históricas, embora estas sejam importantes, pois um povo não deve esquecer o seu passado: afinal de contas nós somos o que fomos. Com efeito, a nobreza britânica tem, a meu ver, um papel a desempenhar no Reino Unido do Século XXI: além da experiência secular de serviço público, que constitui um inestimável asset, muitos aristocratas, afastados das mundanidades de uma alta sociedade que entretanto desapareceu, retiraram-se para as suas propriedades no campo, assumindo-se actualmente como porta-vozes do mundo rural, praticamente esquecido pelos políticos de Westminster. Por outro lado, na qualidade de proprietários de residências históricas e de um património histórico de vulto, numerosos pares chamaram a si a causa da defesa do património, valor tantas vezes esquecido nestes tempos utilitários e obsessivamente centrados no dinheiro.
A presença da nobreza na Câmara dos Lordes, parece, assim, plenamente justificada. O seu afastamento só se compreende, portanto, ou à luz do ódio de classe, que um governo de maioria conservadora devia de todo evitar, porque contrário aos seus valores e ao próprio interesse nacional, ou a uma mauvaise conscience do senhor Cameron, que possivelmente não se sente confortável com a sua própria condição de aristocrata.

domingo, 6 de maio de 2012

A esquerda e o povo

Eduardo Cintra Torres escreve no Correio da Manhã sobre a campanha do Pingo Doce. Nada direi sobre o assunto que foi tema de polémica ad nauseam na blogosfera - o que não deixa de ser revelador da indigência intelectual do debate público nativo. Refiro-me portanto ao artigo, não pelo seu conteúdo, de que, aliás, discordo, mas por uma passagem que me parece particularmente feliz. Diz Cintra Torres, a respeito da forma pedante como a gauche caviar descreveu as multidões que se aglomeraram à porta dos supermercados, que esta "adora abstractamente e odeia concretamente" o povo. Nem mais! Desde a Revolução Francesa, cujos chefes iluminados desprezavam a Vendée,  às ditaduras socialistas do Séc. XX, que procuraram impor ao povo, de forma intelectual e fisicamente violenta, conceitos de homem e de sociedade estranhos suas às culturas, tradições e credos, jamais a esquerda, que sempre disse agir em nome deste, o compreendeu e muito menos respeitou. O povo, no amor que a esquerda nutre pela abstracção, assume um mero valor instrumental, conceptual, nas suas arquitecturas ideológicas. No concreto, é apenas uma mole mais ou menos humana, bronca, alienada e ignorante da qual não querem mais do que distância.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Desabafos

Que saudades do Antigo Regime, quando nem o povo nem os comerciantes faziam política...

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Ainda acerca da caçada do Rei de Espanha

As críticas feitas ao Rei Juan Carlos a propósito da sua participação num safari são movidas por um de dois motivos: ou ignorância ou má fé. Ignorância porque a caçada a animais em reservas naturais é condição de sobrevivência destas. Desde logo porque as receitas obtidas com as caçadas são indispensáveis para a sua manutenção, pois os países em cujos territórios se situam muitas vezes não têm recursos para o fazer. Por outro lado, a existência de reservas naturais serve precisamente para evitar a caça furtiva que, essa sim, é responsável pela dizimação de várias espécies animais. Mas a caça não se justifica apenas por razões financeiras. Em espaços protegidos, a população de espécies sem predadores naturais – de que os elefantes são exemplo – tem que ser controlada, sendo a actividade cinegética – devidamente controlada e regulamentada - uma forma de manter a população destas espécies em número razoável, por forma a não pôr em risco o equilíbrio ecológico. Posto isto, e se os críticos do Rei o não ignoram, os seus comentários só podem compreender-se à luz da má fé. De facto, quer-me parecer que não é o abate de elefantes que os move, mas o desejo de verem cair a monarquia. Se, de facto, é isso que pretendem – e suspeito bem que sim – tenham pelo menos a decência de municiar as suas armas políticas com argumentos menos mesquinhos.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Viva El Rey!



Dizia Talleyrand, sobre os Bourbons de antanho, que “não aprenderam nada”. O pedido de desculpas do Rei Juan Carlos aos espanhóis pela sua viagem ao Botswana para participar numa extravagante caçada, que indignou muitos numa Espanha a braços com uma grave crise, é bem o sinal de que a realeza sabe adaptar-se aos novos tempos e aos deveres que lhe são exigidos. Consciente de que numa democracia - de que Juan Carlos de Bourbon tem sido um corajoso defensor - nenhuma instituição está acima da crítica e do constante escrutínio do povo, o Rei de Espanha mostrou verdadeira nobreza e humildade, ao retractar-se publicamente, de viva voz. De facto, porque a nobreza não se avalia tanto pelos brasões e apelidos, mas sobretudo pela verticalidade da conduta, o descendente de Hugo Capeto mostrou-se digno da ilustríssima família a que pertence, revelando uma dignidade de carácter assinalável e, há que dizê-lo também, um agudo e pragmático sentido político.
Em face deste acto, apetece bradar Viva El Rey!

segunda-feira, 26 de março de 2012

Pobre país pobre

No passado dia 23 de Março, o Diário de Notícias publicou os números da emigração. Em 2011 terão saído do país cerca de 150 mil pessoas, valor só superado pelo de 1970, ano em que terão abandonado o solo pátrio mais de 180 mil portugueses. Alías, no último quinquénio, cerca de meio milhão de portugueses, ou seja, 5% da população, sairam em busca de um meio de subsistência no estrangeiro. Estes números, cuja dimensão é proporcional à vergonha que suscitam, são um sinal mais do fracasso do actual regime.
Durante décadas, o Estado Novo foi acusado – com inteira justeza – de não ter evitado a sangria populacional que levou bem mais de um milhão de portugueses a sair do país nas décadas de 60 e 70, consequência de uma política economicamente conservadora e pouco empenhada no desenvolvimento, bem como da debilidade do Estado social. O 25 de Abril prometeu, entretanto, pôr cobro em definitivo à pobreza endémica que produzira este fenómeno. Todavia, menos de quatro décadas depois da Revolução, os valores da emigração são semelhantes aos atingidos no regime anterior. As expectativas de desenvolvimento económico e de bem estar social propaladas nos primeiros anos da democracia, foram goradas por um sistema político e económico que desgraçadamente falhou, não agora, mas há já muito tempo, embora ninguém tenha tido a coragem de o reformar no devido tempo, por forma a evitar o desastre que agora vivemos. Falhou o modelo de desenvolvimento económico, falhou o modelo de Estado concebido pelos constituintes de 1976 e falhou a democracia, sobretudo para os que emigram, pois são afastados do seu exercício e usufruto pela ausência a que estão forçados.
Como consequência deste fracasso, entrámos num ciclo vicioso de pobreza: os que partem são população em idade activa, de cujo trabalho, contribuições fiscais e prestações sociais beneficiarão outros países, ficando Portugal privado deste contributo para sustentar os que ficam: crianças, desempregados, idosos. Ou seja, perdemos as receitas e ficamos apenas com as despesas. Desta situação, a prazo insustentável, não se terão apercebido alguns governantes, que têm exortado à emigração. Além de moralmente execrável, este apelo revela a estreiteza de vistas, para não dizer a escassez de inteligência, de muitos dos que têm a cargo os destinos da pátria. Não perceber isto não abona nem aos princípios nem aos neurónios de quem nos governa.
É preciso, pois, reformar com coragem, honestidade e empenho este pobre país – e país pobre – sem preconceitos, sem dogmatismo ideológico e sem cedências aos interesses políticos e económicos que até agora impediram uma mudança de rumo. Mas não será com a simultânea destruição dos sectores público e privado, como está a suceder por força do estúpido Memorando da troika, que o conseguiremos. Impõe-se, isso sim, repensar - com sentido humanista - as funções do Estado, desburocratizá-lo e forçá-lo a prestar contas aos cidadãos; é necessário reformar o sistema de justiça, não apenas em defesa do Estado de Direito que ainda não somos, mas também do combate à corrupção, maleita que corrói o tecido social e debilita a democracia; é preciso fomentar a economia, quer diminuindo a carga fiscal, quer promovendo o crescimento económico, tarefa em que o contributo de um sector empresarial mais dinâmico e com cultura de risco é fundamental
Se assim não fizermos, ficaremos com um país vazio de gente activa que estimule o crescimento e cheio de gente inactiva a definhar na “apagada e vil tristeza” que parece pairar cronicamente sobre nós.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Happy and Glorious

"

"I declare before you all that my whole life, wether it be long or short, shall be devoted to your service"

sábado, 4 de fevereiro de 2012

O pai tirano

Parece-me absurda a decisão de passos Coelho de não conceder tolerância de ponto no Carnaval. O primeiro ministro comporta-se como um pai severo que castiga desproporcionadamente a prole mal comportada. Esquece porém que, em larga medida, a situação a que chegámos se deve a más decisões políticas tomadas, muitas delas, pelo partido de que é presidente. Não devemos esquecer que o regime tem sido governado desde os seus primórdios em regime de duopólio, pelo PS e pelo PSD, não sendo, pois, muito difícil reconhecer os responsáveis pela falência do Estado. Foram os erros acumulados por estes dois partidos e a falta de coragem de reformar o sector público que nos conduziu à presente situação, o que agora obriga o Estado a fazer, de uma só vez – com incomportáveis custos para milhões de pessoas – as reformas que, em décadas, ninguém se propôs levar a cabo, por medo de defrontar interesses e de perder votos.
Sendo assim, esta “punição” adicional que Passos anuncia ao país com uma gravidade encenada, é não apenas uma desfaçatez, mas também um abuso. Os portugueses já estão a ser mais que suficientemente castigados – muito para lá do que as suas culpas recomendavam -, não merecendo ficar fechados no quarto durante as festividades carnavalescas.
Fica o conselho: senhor Primeiro Ministro, se fosse a si não esticava demasiado a corda. Lembre-se do que sucedeu ao seu antecessor, Cavaco Silva, quando pretendeu acabar com o feriado no Carnaval

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Não foi para isto que votei nesta gente

A suspensão da crónica de Pedro Rosa Mendes na Antena 1, após este ter criticado a opção editorial da RTP de fazer um programa Prós&Contras em Luanda, tem demasiadas e desagradáveis parecenças com os saneamentos por delito de opinião em que o anterior primeiro-ministro foi pródigo.
Honestamente, pensei que com o fim do governo de Sócrates, situações deste género, inaceitáveis num regime democrático, tivessem acabado. Quer-me parecer que não.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

São "habilidades" como esta que estão a matar a Democracia



Nota: soube, pela imprensa, que esta situação resultou de um lapso, entretanto corrigido

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Sobre a revisão (mais uma) da legislação laboral

Sou, por princípio, favorável à flexibilização da legislação laboral, até porque quanto menos leis, regulamentos, portarias e decretos houver, melhor. Porém, no contexto de retracção económica em que actualmente vivemos, uma alteração da lei laboral como a promovida pelo Governo e aprovada na Concertação Social, serve essencialmente para facilitar despedimentos, não para promover a criação de emprego.
Aliás, é de duvidar que mesmo em ambiente expansionista, estas alterações tivessem grande impacte na criação de novos postos de trabalho. De facto, muito mais importante do que mudar – pela enésima vez – as leis do trabalho, seria dar estabilidade ao sistema fiscal e baixar os impostos. Com as actuais taxas de IRC e IVA e com a frequente alteração dos seus valores e da legislação aplicável, os investidores não só não conseguem planear os seus investimentos, como facilmente se dissuadem de abrir empresas que serão sugadas pelo fisco.
Por outro lado, seria igualmente mais vantajoso reformar o sistema de justiça. Se um pleito judicial pode demorar uma década – ou até mais – a ser resolvido, qualquer empresário pensará muitas vezes antes de investir o seu dinheiro e é bem provável que desista.
Por fim, a desburocratização do Estado é outro passo importante na promoção do investimento e na consequente criação de emprego. A complexidade da máquina pública, com as suas exigências de alvarás, pareceres, licenças e uma plêiade de outra papelada, dispendiosa, morosa e inútil, desencoraja o mais voluntarioso dos empresários.
Porém, estas três reformas – fiscal, judicial e burocrática, esbarram com interesses corporativos poderosos e com os ímpetos controleiros e a avidez do Estado. Por isso, os governos têm optado por nada fazer nestes sectores, preferindo incidir o seu zelo reformista sobre as leis laborais, que recaem sobre o elo mais fraco da cadeia – os trabalhadores – fracamente representados por estruturas sindicais aquilosadas e gerônticas, cristalizadas algures no Séc. XX, e que não conseguem já defender os interesses do mundo do trabalho actual, que muito pouco tem que ver com o mundo que os dirigentes sindicais abandonaram há trinta ou mais anos, quando ocuparam as confortáveis sinecuras em que se transformaram os postos directivos destas organizações.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Muita potestas e pouca auctoritas

A exigência, por parte do Ministério da Segurança Social, da devolução de verbas indevidamente pagas a milhares de beneficiários no curto prazo de trinta dias, é mais uma demonstração da relação de prepotência entre o Estado e os cidadãos. Em primeiro lugar, o pagamento de prestações não devidas ou pagas acima do valor estipulado foi, antes de mais, um erro do Estado, não de quem as recebeu, logo, deveria assumi-lo. Já que o não faz, devia pelo menos mostrar maior condescendência e não exigir, no tom ameaçador com que o Estado habitualmente comunica com os cidadãos, a devolução das quantias supostamente devidas num prazo tão curto.
Por outro lado, o Ministério ordena a devolução de prestações pagas desde 2004, ou seja, verbas que foram pagas há seis, sete, oito anos e que – digo eu, na minha ignorância sobre leis – provavelmente já prescreveram, o que, a ser assim, configura uma ilegalidade.
A avidez pelo dinheiro é tal que o Governo não se coibe de cometer arbitrariedades, prepotências e, no limite, de violar a Constituição, como possivelmente sucede com os corte dos subsídios de Natal e de férias. Esta avidez fez estalar a fina camada de verniz democrático que cobre o Estado português, revelando-se, sob as brechas, o Estado autoritário, que despreza os cidadãos e que estes nunca respeitaram – porque nunca se deu ao respeito - mas que sempre temeram, pois os poderes públicos em Portugal sempre se afirmaram não pelo exemplo, mas pelo uso pouco escrupuloso da autoridade.
É triste que os tiques autoritários do Estado não tenham desaparecido com a instauração da democracia. De facto, os regimes podem ser depostos por decreto, mas os hábitos e os vícios de um sistema, esses, demoram muito tempo a mudar. E, passados quase trinta e seis anos da promulgação da Constituição, a ordem dos factores em Portugal permanece perversamente invertida: são os cidadãos que continuam a servir o Estado e não este que serve aqueles.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Esquecimentos



Sua Excelência o Senhor Presidente da República esqueceu-se, na mensagem de Ano Novo, que é, por inerência, chefe supremo das Forças Armadas, não tendo feito qualquer referência aos militares portugueses que desempenham sob a nossa bandeira missões no estrangeiro. É lamentável este lapso de memória que, por exemplo, Sua Majestade a Rainha Isabel II não teve, como se pode constatar aqui