sábado, 15 de fevereiro de 2014

O referendo à independência da Escócia

Realiza-se este ano o referendo à independência da Escócia. O argumento daqueles que defendem a sua separação do Reino Unido radica na História, pois a Escócia foi durante séculos um Estado independente, embora frequentemente cobiçado pela Inglaterra. Porém, o argumento histórico tem as suas debilidades, e pode funcionar ao contrário: se é certo que na longa história escocesa se contam centenas de anos de soberania, não é menos certo que há mais de 400 anos ambos os países estão unidos sob um mesmo Rei, e estes quatro séculos também fazem parte da história escocesa; se é também certo que foram duras as refregas entre ambos, o primeiro passo para a união – a aclamação de Jaime V da Escócia como Jaime I de Inglaterra, sucedendo à Rainha Isabel I em 1603 – decorreu sem violência. Acresce ainda que esta união dinástica faz da presente soberana, Isabel II e, naturalmente, dos seus sucessores, descendentes tanto dos reis de Inglaterra, como dos monarcas escoceses. Isto mesmo lembrou a soberana em 1977, perante as duas câmaras do Parlamento britânico: “I number Kings and Queens of England and of Scotland, and Princes of Wales among my ancestors”, para recordar de seguida que “I cannot forget that I was crowned Queen of the United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland.” Ou seja, que o compromisso solenemente assumido pelos monarcas britânicos no seu juramento na Abadia de Westminster é o de governarem os povos de todo o Reino Unido, ao qual se sentem historicamente vinculados. Mas, para além dos problemas históricos que o referendo à independência levanta, outros há, de carácter mais prático, mas não menos relevantes. Estas quatro centúrias de união propiciaram casamentos entre escoceses e ingleses, galeses e irlandeses, o que coloca uma questão: quem tem legitimidade para votar neste referendo? Quem nasceu na Escócia? Quem, não tendo nascido na Escócia é filho de escoceses? E quem tem mãe escocesa e pai inglês? E quem, tendo nascido em Inglaterra ou em Gales, há muito vive na Escócia? E os ingleses, os galeses e os norte-irlandeses, não terão também o direito de se pronunciar sobre uma decisão que terá implicações no seu futuro? Há ainda que ter em conta que a Escócia é uma das regiões mais pobres do Reino Unido, sendo beneficiária, numa lógica de repartição solidária de recursos, de parte da riqueza produzida sobretudo em Inglaterra, fluxo que teminará com a separação. Por outro lado, a já longa união criou uma tendecial especialização das diferentes regiões do país, pensada numa lógica de complementaridade entre as várias partes que o compõem, o que tornará a Escócia carente de bens e serviços que se desenvolveram em terras inglesas ou galesas. Por fim, coloca-se o problema da pertença da Escócia na União Europeia. Independente, deverá manter-se na Europa ou terá que submeter-se a um processo de adesão, normalmente longo? O ressurgimento dos nacionalismos na Europa é um passo perigoso que pode fazer retroceder o mapa político do Velho Continente aos tempos anteriores à construção do Estado Moderno, que se caracterizou precisamente pela progressiva união das centenas de pequenos reinos e principados em que estava dividido em unidades políticas de maior dimensão. De certa forma, retornaríamos à Idade Média, que o mesmo é dizer a um continente mais fragmentado e, consequentemente, mais fragilizado, algo que, sobretudo no presente contexto, seria por demais desaconselhável. No caso escocês, nem a História, nem a política, nem a economia justificam satisfatoriamente uma separação. Assim, parafraseando uma personalidade que não nomeio para não ferir susceptibilidades e não criar equívocos, diria que está tudo bem assim e não deve ser de outra maneira.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Mexam-se, meus senhores!

É impressionante a passividade da comunidade universitária em relação à política de tábua rasa do Governo em relação ao ensino superior. Desprovendo de meios as universidades, com as restrições orçamentais e a diminuição do número de bolsas, mostrando desconfiança em relação à qualidade da investigação produzida em Portugal, ao promover a imigração de cientistas estrangeiros ao mesmo tempo que empurra para a emigração os cientistas nacionais, a comunidade docente limita a sua reacção a uns inconsequentes abaixo-assinados e a artigos de variável contundência verbal publicados na imprensa. Ora os professores e dirigentes das universidades são uma elite logo, nessa qualidade, têm o dever de combater de forma mais determinada e, sobretudo, coordenada as orientações que estão a ser seguidas. É o momento de perceberem que as querelas de prima-dona que frequentemente os dividem prejudicam uma acção concertada em defesa de um interesse que é comum e que, por isso mesmo, impõe unidade. É o momento de agirem consequentemente enquanto elite, logo, enquanto grupo com excepcionais responsabilidades em relação aos destinos da nação. Não faz sentido que se fale de sociedade civil ou de reforço da autonomia universitária quando perante políticas erradas e de resultados nefastos, todos se demitem, manietados pela ideia errada, mas generalizada, de que a gestão da res publica é um foro exclusivo dos políticos. Quanto aos alunos, acham que o assunto nada tem que ver com eles desde que no fim do curso lhes passem um diploma para pendurar na parede do quarto e encher de orgulho as mães, dispensando mais tempo na discussão das praxes do que na qualidade do ensino que lhes é ministrado ou no futuro que o país lhes oferece Para estes, é o momento de agirem em defesa da qualidade da Universidade, pois o diploma mais não é do que um bonito papel, cuja validade depende da valia dos conhecimentos que atesta. É o momento de exigirem que o investimento que fazem, em esforço e em dinheiro, tenha retorno na formação e nas capacidades adquiridas. Afinal de contas, isto acaba por ter o seu quê de tristemente irónico: a Universidade, que tanto se queixou das limitações à liberdade que o Estado Novo lhe impôs, agora que finalmente a tem, abdicou de lhe dar uso.