sábado, 29 de setembro de 2012

Portugal no tubo de ensaio



Desde há muito que as elites portuguesas, totalmente desconhecedoras do mundo real e, consequentemente, sem o mínimo do elementar e sensato common sense, fazem do país um laboratório de experiências sociais. Lêem uns livros, normalmente com um atraso de décadas em relação ao resto da Europa, entusiasmam-se e resolvem aplicar sobre o pobre e incauto povo as teorias que lhes causaram êxtases intelectuais.
O republicanos radicais tentaram, no início do Século XX, construir no Portugal católico uma república jacobina. Seguindo o modelo francês, velho de mais de um século, mataram o Rei e perseguiram os padres. No Estado Novo, vários eram os projectos de uma sociedade nova: desde os nacionais-sindicalistas, que sonhavam com um Portugal fascista, com  Salazar como uma espécie de Mussolini de toga, passando pelos integralistas, que pretendiam fazer renascer dos rendilhados góticos das igrejas o reino medieval dos concelhos e das cortes.
Depois veio o 25 de Abril, que planeou para a felicidade geral das gentes o socialismo, que assumiu as mais variadas formas: o socialismo à soviética do PC, o maoísta do MRPP ou o socialismo original e português, que o CDS foi obrigado a inventar à última da hora, para não ser ilegalizado pelo MFA.
Agora é o neo-liberalismo: algumas – felizmente poucas – cabeças autoproclamadas bem-pensantes descobriram que o Estado é o pior de todos os males e que os direitos que todos pensavam ser conquistas de civilização são, afinal de contas, a consagração institucional da preguiça e do comodismo nacionais.
E assim vamos, cantando e rindo – cada vez menos – de experiência em experiência, até à explosão final.

Clarificação precisa-se


Pela forma tão convicta quanto arrogante e malcriada como António Borges defendeu a descida da TSU (um exemplo mais de que o dinheiro e o status não são sinónimos de boa educação),  não é difícil perceber que a medida foi ideia sua. Aliás, a orientação geral do Governo tem sido decalcada do seu pensamento. Borges sempre se furtou ao escrutínio popular, preferindo a confortável posição de poder atrás do trono, influenciando a governação sem o ónus da exposição pública, que delega naqueles que estão dispostos a desempenhar o pouco digno papel de testas de ferro das suas decisões. Ora, não sendo Borges primeiro-ministro nem membro do Executivo, não é aceitável que determine, sem a necessária legitimidade institucional e democrática, as orientações políticas da Nação. A opacidade é inimiga da democracia, logo, se o PSD e o CDS pretendem que o conselheiro para as privatizações mande no país, das duas uma: ou provocam a demissão de Passos Coelho e propõem Borges ao Presidente da República para o cargo de chefe do Governo ou, caso Cavaco Silva o não aceite (o mais provável), precipitam eleições e apresentam-no como candidato.
O que não é aceitável é que tenhamos dois primeiros-ministros: Passos Coelho, o primeiro-ministro de jure e António Borges, o primeiro-ministro de facto. Clarificação precisa-se.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Catalunha

A situação política actual na Catalunha faz descrer da democracia e da classe política. O presidente do Governo regional catalão, Artur Mas, num acto de oportunismo dos mais soezes de que há memória em tempos recentes, veio colocar uma vez mais à discussão a questão da independência da região. O caso parece ser de tal modo sério que o Rei Juan Carlos já se pronunciou sobre ela por duas vezes no espaço de uma semana, circunstância muito rara.
Naturalmente, é admissível que a questão seja debatida, pois em democracia não há assuntos interditos. Fazê-lo, porém, à boleia da crise económica que a Espanha vive presentemente, procurando capitalizar apoios à sua causa aproveitando-se do descontentamento conjuntural gerado pelas dificuldades económicas, é vergonhoso. Por outro lado, a desvinculação do Estado espanhol neste momento, em que todos precisam de todos – é bom não esquecer que o governo catalão pediu há semanas um empréstimo a Madrid, para escapar à falência – seria de um egoísmo atroz. Relutantemente ou não, o facto é que a Catalunha faz parte de uma unidade política há mais de cinco séculos e a constatação de que a sorte de castelhanos, andaluzes ou galegos parece ser indiferente a alguns políticos catalães, revela-nos o estado de degradação a que chegou a política, um autêntico vácuo ético e moral.
Esperemos que os catalães não se deixem enganar pelas manobras desta gente sem qualidades e as repudiem com veemência.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

É triste


Ao fazer pesquisas na imprensa, tenho por hábito dar alguma atenção aos anúncios dos espectáculos musicais, nomeadamente os de S. Carlos, da Gulbenkian e do Coliseu do Recreios, bem como aos artigos de crítica que sobre estes eram escritos. Noto que por cá, em meados da década de setenta, a atenção dada aos concertos e óperas era bastante razoável. Por outro lado, não é raro tropeçar em nomes de grandes intérpretes: só hoje, encontrei referências a um Messias de Handel, dirigido por John Eliot Gardiner e a um recital de Edda Moser.
O que me espanta e, simultaneamente me frustra, é o facto de hoje em dia o panorama musical português ser uma pálida sombra  do que era nestes tempos (excepção feita à Gulbenkian, que continua a ser o balão de oxigénio que nos vai mantendo intelectualmente vivos, embora já tenha tido melhores tempos). Portugal, no período a que me refiro, era um país mais pobre do que hoje,  vivia uma convulsão política e social, tinha a sua população bruscamente acrescida por centenas de milhares de cidadãos recém-chegados do antigo Ultramar sem casa e sem emprego, uma economia desordenada pelas nacionalizações e por surtos grevistas e mesmo assim foi possível trazer aos nossos palcos os maiores artistas do tempo.
O que se passa então actualmente? A culpa não é, não pode ser, só da crise financeira. É culpa sim da exiguidade intelectual de grande parte da elite política, indiferente à cultura porque a não percebem e porque, não dando votos, não interessa.
Até a Grécia, cujas contas públicas estão em estado de maior ruína que o Parténon, mantêm o seu teatro de ópera a funcionar regularmente. Só nós não temos dinheiro para tal – é o que dizem - e mantemos o soberbo Teatro de São Carlos com uma temporada de curto prazo  - temporada Outono/Inverno como agora lhe chamam, mais parecendo uma colecção de moda – dependente de dotação orçamental para prosseguir – se Passos Coelho deixar – em 2013.
É triste.

domingo, 23 de setembro de 2012

A monomania do socialismo

Chega a ser engraçado ler blogues como o Blasfémias ou o Insurgente, escritos por gente válida e inteligente, mas aparentemente privados de razão pela monomania do socialismo. Já aqui falei sobre isto, esta gente vê socialistas em cada esquina, escrevem dezenas de posts repetitivos a denunciá-los, com a tenacidade de guardiães do templo, sendo que, para eles, todo aquele que não defenda acriticamente o Governo de Passos Coelho, seja de esquerda ou da direita, monárquico ou republicano, católico ou ateu, é irremediavelmente um socialista.
Sucede que o presente Executivo será porventura o mais socialista dos governos que Portugal já conheceu desde os tempos do general Vasco Gonçalves. De facto, desde o início do presente regime, nunca o Estado consumiu tantos recursos da economia privada – famílias e empresas – como este. Nunca um Governo, por via do esbulho fiscal, condicionou tanto a vida dos cidadãos como este. Nunca um Primeiro-Ministro tratou os portugueses com um paternalismo castigador e pesporrente, como este. Isto sim, é socialismo.

Do arrivismo


Andrew Mitchell, que desempenha as funções de chief whip do Partido Conservador britânico – uma espécie de líder do grupo parlamentar – envolveu-se há dias num conflito com agentes da polícia, quando estacionava a sua bicicleta em Downing St. Na troca de palavras com os agentes da autoridade, ter-lhes-á dito, aos berros, que se pusessem no seu lugar e que não passavam de plebeus.
Ora, para além da irritação que me causam estes conservadores com tiques modernaços, à la Boris Johnson, que entendem que por andarem de bicicleta dão do conservadorismo uma imagem contemporânea e cool, entendo que o comportamento do sr. Mitchell é a vários títulos lamentável e totalmente contrário à tradição tory. Desde logo pelo comportamento desrespeitoso em relação à polícia. Para os conservadores, as forças da autoridade são merecedoras da maior consideração, enquanto representantes da autoridade do Estado e garantes da ordem, tidos como valores fundamentais da sua cultura política. Por outro lado, o seu comportamento revela uma arrogância nova-rica, em completo contraste com a atitude conservadora que, entendendo a sociedade como uma estrutura vertical e estratificada, respeita todos e cada um, independente do lugar que lhe caiba. O dirigente conservador deu uma triste imagem de si mesmo, revelando-se um arrivista, pois quem tem necessidade de lembrar aos outros a respectiva posição na escala social, é porque não está seguro da sua. Ora o arrivismo não é aceitável no partido de Disraeli, Salisbury e Churchill.
Parece que a Cameron não resta alternativa que não a de pôr Mitchell no devido lugar: na rua.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Ou nos refundamos ou afundamos

Começa a falar-se na imprensa na eventualidade da nomeação de um governo de iniciativa presidencial, consequência talvez da reunião na sexta-feira do Conselho de Estado, na qual, alguns esperam, se delibere nesse sentido.
Numa democracia consolidada, um governo que não saia directamente das urnas não é uma boa solução. Se for adoptada, será apenas a solução possível, solução essa que significa que o actual sistema partidário não foi capaz de exercer um dos seus deveres fundamentais: o de criar governos estáveis. Assim sendo, algo terá que mudar para que a democracia sobreviva: aos partidos, caberá reformarem-se profundamente, para que voltem a desempenhar a missão essencial que lhes cabe no regime; à sociedade civil, competirá mobilizar-se para criar novas forças políticas, que tornem o sistema mais plural e representativo, logo, mais democrático. Em suma, o sistema político-partidário terá que ser profundamente repensado, refundado até.
Se, volvidas quase quatro décadas de democracia, fracassarmos neste propósito, não sei o que se seguirá, mas, o que quer que seja, não será bom seguramente.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O mundo a preto e branco

Em alguns blogues favoráveis à política económica do actual governo, espelha-se o sectarismo que sempre dominou o debate público neste país. Se, nos idos de 75 quem não era socialista era fatalmente fascista, hoje em dia quem não aplaude de pé Passos e Gaspar é socialista. Temos assim a chocante revelação de que personalidades como Manuela Ferreira Leite, Bagão Felix e, pasme-se, o Prof. Adriano Moreira, são socialistas. Esta táctica de desvalorização do adversário, etiquetando-o disto ou daquilo, é uma pura fuga à discussão racional e fundamentada, logo um acto cobarde. É o fruto da mistura explosiva de indigência intelectual - endémica entre nós -, de sectarismo servil - para agradar ao chefe na esperança de uma sinecura - e de uma espécie de clubismo em que os "nossos", só porque o são, têm sempre razão, sendo impensável  o reconhecimento de validade ao argumento do adversário, gesto que é fatalmente denunciado - seguindo o velho adágio "quem não está por nós, está contra nós" - como uma traição de vira-casacas.
Posto isto, o debate político em Portugal torna-se impossível, vítima deste bloqueio maniqueísta, que nos manieta e nos condena fatalmente à pobreza das ideias e à verbosidade oca.

sábado, 8 de setembro de 2012

Quer-me parecer...

... que algumas das medidas anunciadas ontem pelo Primeiro-Ministro são inconstitucionais, nomeadamente a manutenção do corte dos dois subsídios aos pensionistas ( que são oriundos, recorde-se, dos sectores público e privado ). Passos quer definitivamente, como escrevi anteriormente, vingar-se do TC, senão vejamos: se, instado a pronunciar-se sobre estas decisões governamentais, decidir no mesmo sentido, o Governo vitimiza-se, alegando que o tribunal é uma "força de bloqueio" que o impede de exercer o seu mandato; se, pelo contrário, os juízes, sentindo-se pressionados pela ameaça de tal acusação, decidirem em sentido diferente, condenarão a instituição ao descrédito e à irrelevância. Em qualquer dos casos, a posição do TC é ingrata.
Passos revela, de facto, habilidade, mas apenas na jogada política, no tacticismo, na golpada chico-esperta, o que não surpreeende, pois é fundamentalmente um produto partidário.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Em resumo...

... Passos Coelho quis vingar-se do Tribunal Constitucional, fintando o acordão que declarou inconstitucional o corte dos subsídios da função pública através de uma jogada contabilística. O espírito de vingança é um defeito muito grave, ainda mais num chefe de governo. Não estamos no bom caminho, Dr. Passos.

domingo, 2 de setembro de 2012

It´s the democracy, stupid!


Uma jovem participante na Universidade de Verão do PSD  terá perguntado a Cândida Almeida se estava em curso alguma investigação relacionada com os rendimentos de José Sócrates. Uma jornalista, que cobria o evento, referiu-se a esta pergunta como uma ousadia. Ousadia porquê? O escrutínio dos detentores de cargos públicos é um acto perfeitamente normal num regime livre, não deve causar qualquer estranheza ou estupefacção. Somente neste país com espírito de amanuense ou criado de mesa, subserviente e temeroso em relação aos poderosos, se pode considerar um atrevimento formular tal questão. Há quase quatro décadas que vivemos em democracia mas, pelos vistos, ainda não percebemos como funciona.