sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Ao cuidado dos conservadores

A sociedade a que um conservador aspira é a sociedade composta por uma ampla e sólida classe média. Porque o conservador privilegia a paz social e a ordem pública, a existência de uma classe média forte é o melhor garante desses valores. Quando convertidos à democracia, sobretudo depois da Grande Depressão e da II Guerra Mundial, os conservadores perceberam isto: uns, por imperativo ético, consideraram indispensável uma melhoria generalizada das condições de vida – a exemplo dos democratas cristãos que, guiados pela Doutrina Social da Igreja, se tornaram defensores convictos do reformismo social – outros, por pragmatismo, entenderam que uma ampla camada social desproletarizada, proprietária de uma casa, de um automóvel, de algumas poupanças, auferindo de um salário que lhe permitisse uma vida confortável, não desejaria a revolução social e o caos político, por ter muito a perder com ela: a propriedade e o estatuto sócio-económico. Não surpreende, pois, que o sustentáculo político dos partidos conservadores tenham sido as camadas médias da sociedade. Foi com base neste pressuposto, por exemplo, que a senhora Thatcher quis fazer de cada inglês dono da sua casa. Assim, é de uma total estupidez a política que vem sendo seguida na Europa, liderada pela conservadora Merkel, e particularmente em Portugal, governado pelos dois partidos do centro-direita. A desqualificação da classe média é não apenas um erro táctico, porque aliena a base eleitoral destes partidos, mas – e bem mais preocupante – é um erro político gigantesco: ao reduzir os extractos médios à condição proletária, o centro-direita europeu está a reconstruir o modelo de sociedade em que Marx descobriu as sementes da revolução. Ora, se o caminho da Europa for a revolução, os conservadores sofrerão a sua total derrota, pois a sua maior missão histórica tem sido precisamente evitá-la.

domingo, 13 de outubro de 2013

Cuidado com esta gente II

Vi há dias na televisão as imagens confrangedoras - presumo que captadas este verão - de filas de arrendatários à porta da Associação dos Inquilinos Lisbonenses. Na sua maioria idosos, alguns esperaram horas de pé, espectantes e ansiosos para saber da sua sorte quanto ao valor das rendas a pagar ou à possibilidade de se verem despejados (o que sucederá em massa daqui a cinco anos, mas isso não parece perturbar a consciência cristã da ministra Cristas que, por essa altura, estará certamente instalada numa choruda sinecura). Sinceramente, senti-me constrangido por ver dezenas de pessoas sobressaltadas quanto ao seu futuro, precisamente na fase da vida em que deviam ter maior sossego. E pergunto-me até que ponto terá sido a troika que impôs esta lei. Tenho dúvidas. Nem a competitividade da economia, nem a correcção do défice, nem o pagamento da dívida a justificam. Pelo contrário; se, como está previsto, daqui a cinco anos o Estado passar a subsidiar os inquilinos sem posses, a despesa pública aumentará. Daqui se conclui, portanto, que a lei das rendas é um objectivo do Governo, que usou a troika como pretexto para aprovar um diploma necessariamente controverso, passando - numa atitude cobarde - as culpas para terceiros. Mais uma vez afirmo: cuidado com esta gente!

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Cuidado com esta gente!

Os cortes nas pensões de sobrevivência constituem o maior ataque ao sistema de Segurança Social jamais visto. E porquê? Porque ao fazer depender a definição do seu valor não dos descontos feitos pelo pensionista falecido, mas da condição de recursos o cônjuge sobrevivo, transforma a pensão num subsídio, enfraquecendo juridicamente a prestação social. Porque o subsídio não depende de um valor concreto de contribuições, o Estado tem mais força na atribuição deste valor, na medida em que este depende mais da sua liberalidade do que de uma correspondência directa entre o valor da prestação social paga e o valor dos descontos efectuados para o efeito; por outro lado, a condição de recursos é menos objectiva (o Estado pode definir por recursos o que entender) do que a referida relação descontos/pensão. Mas a consequência mais grave não é esta; ao transformar a pensão de reforma num subsídio, abre-se a Caixa de Pandora que permitirá ao Estado no futuro diminuir o valor das próprias pensões. Recorrendo à mesma retórica vazia da justiça social com que justifica o presente corte, dirão que um pensionista que receba uma pensão de x, mas que tenha outras fontes de rendimento, propriedade imobiliária, ou aplicações financeiras de um determinado montante, não precisa que a Segurança Social lhe pague o montante que recebe, mas apenas uma parte. Assim, e até pelo valor do corte previsto – 100 milhões de euros – a única razão que justifica os cortes anunciados é ideológica, pretendendo o Governo tão só, como se disse, debilitar o conceito de pensão de reforma. Cuidado com esta gente!

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Interesse nacional

Pense o que pensar da Constituição, o dever primeiro do Governo de Portugal é defender as leis do país e, por maioria de razão, a Lei Fundamental, porque nelas assentam o Estado de Direito e a soberania nacional. Consequentemente, é sua obrigação, nas negociações com a Troika, defender como pressuposto que toda e qualquer reforma ou medida de austeridade não pode chocar com o corpus jurídico da Nação. Assim, ao invés de atacar a CRP, o Governo - apesar das reservas que possa ter em relação a esta - tem o dever patriótico de a defender. E se, mesmo assim, a Troika persistir na sua política, deve responsabilizá-la pelas consequências desta, ou seja, o colapso do regime político. Duvido que o BCE, o FMI, e sobretudo a Comissão Europeia queiram ficar com o ónus do colapso de uma democracia estável, cujo resultado seria a falência não apenas da moeda única, mas da própria UE. É necessária, pois, coragem para assumir esta posição. No estado em que as coisas estão não é com subserviência que melhor se serve o interesse nacional e se este Governo não for capaz de o fazer, imperioso se torna que outro o faça.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Ainda a propósito do Grândola, Vila Morena

Muito se tem falado sobre as interpelações de que vários ministros foram alvo nos últimos dias ao som da canção Grândola, Vila Morena. Confesso que não simpatizo particularmente com a música, não por razões estéticas, mas por motivos políticos, pois embora tenha sido a senha que deu marcha ao golpe militar de 25 de Abril, transformou-se, com o tempo, no símbolo de um projecto de revolução que, a ter tido sucesso, teria desviado o país do rumo para a democracia que o MFA prometera ao país.
Porém, em certos sectores tem-se ouvido um clamor, a meu ver exagerado e tremendista, sobre estes episódios. Fala-se de atentados à liberdade de expressão, à democracia, como se a revolução pelas armas estivesse ali ao virar da esquina. Mais uma vez a direita portuguesa mostra o seu medo atávico da rua. Falam destas manifestações, essencialmente pacíficas, como se fossem cortes de cabeça.
Embora não aprecie este tipo de protestos, não só os compreendo como não os considero, de todo, actos ilegítimos. Com efeito, a população portuguesa está justificadamente descontente com a situação económica e financeira que o país atravessa, mas também insatisfeita com a degradação do sistema político e partidário, que – essa sim – pode, a prazo, fazer perigar a democracia. Estes actos de protesto, num país pouco dado a eles são, em suma, a expressão não apenas do empobrecimento da população, mas sobretudo da descrença e do desapontamento com um regime que está doente e a prova disso é o facto de o principal alvo destas manifestações ser Miguel Relvas, um símbolo bem evidente da degradação da vida pública.
Por isso, causa-me alguma irritação esta gente que berra “Aqui d’el Rei!”, sempre que um grupo de cidadãos se põe a cantar. E, sintomaticamente, teve que ser um estrangeiro, Viviane Reding, uma mulher de direita, a dar aos seus pares uma lição de democracia, colocando a questão nos devidos termos, ao dizer – e muito bem -  que feliz é um povo que se expressa cantando ao invés de partir montras e arremessar cocktails molotov. Bom seria que a direita nativa percebesse isto, de uma vez por todas.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A proposta de Obama

A proposta de um acordo de comércio livre entre os Estados Unidos e a UE pode ser um momento de viragem na actual situação económica do mundo, mas o seu alcance maior é político. Obama percebeu que o enfraquecimento económico das nações democráticas porá, a prazo, em causa a própria democracia.
Não apenas porque a emergência de nações não democráticas e, até, anti-democráticas – de que o caso chinês é, de longe, o mais flagrante exemplo – enfraquecerá a defesa da democracia, enquanto sistema de valores desejavelmente aplicável ao maior número possível, como – em consequência do empobrecimento dos países livres – esta poderá soçobrar nas próprias nações que a adoptaram como forma de governo,  face às promessas do primeiro tiranete com propostas messiânicas para a saída da crise.
Porque quem dá cartas na economia as dá também, necessariamente, na política, é da maior importância que o bloco democrático não perca o dinamismo económico que sustente a Liberdade, baseada na dignidade do Homem e na concorrência livre, mas justa (só existe livre concorrência, quando justa).
Esta verdade auto-evidente, para usar uma expressão muito americana, foi já compreendida pelo Presidente Obama. Esperemos que os dirigentes europeus a percebam também e se empenhem neste projecto cujo alcance pode ser tão grande como o foi a própria construção europeia, cujos objectivos foram a Paz, a Prosperidade e a Democracia.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Reflexões politicamente incorrectas

Dizia Eça de Queiroz, nos idos de oitocentos, que o cepticismo faz parte do bom gosto. A nossa elite intelectual, a começar por aquela de que o próprio Eça fez parte, pretendendo-se sofisticada, adoptou o cepticismo como atitude civilizada. Definitivamente enterrada a noção de divindidade pelo peso das evidências científicas, progressivamente foram eliminados todos os demais elementos que pudessem padecer do pecado da não-racionalidade. A ideia de nação, de realeza, os heróis pátrios, tudo foi arredado para os depósitos do obscurantismo e do reaccionarismo em nome de uma ideia unívoca de progresso em cuja construção estas peças não cabiam. Outros, de inspiração marxista, consideravam-nos meros intrumentos de dominação das massas alienadas - pensamento que fez escola entre a intelectualidade nativa - o que, não sendo totalmente errado em determinados contextos, está longe de explicar o fenómeno em toda a sua dimensão.
Ficámos assim desprovidos de ideais, de elementos de irracionalidade que, ao contrário do que as nossas cabeças bem pensantes defenderam, desempenham um papel na vida social, conferindo-lhe uma noção de transcendência, de continuidade, que ultrapasse as fronteiras do indivíduo e a mesmice da vida quotidiana. A existência de referências – seja um conceito abstracto de pátria, a realeza, enquanto depositária da história e da tradição, de figuras históricas, que representem determinados valores que nos edifiquem – são relevantes como bússulas que nos auxiliam a cultivar valores pelo exemplo ou a lutar por algo que ultrapasse o interesse próprio.
Ao invés disso, o cepticismo e o seu irmão, o cinismo, dedicam-se a meticulosamente desconstruir a exemplaridade das instituições tradicionais ou personagens pretéritas, procurando nelas a mácula, o defeito, o vício – que necessariamente se encontram em tudo o que é humano – e ampliam-nos, de tal forma que as suas virtudes, por enormes que sejam, são anuladas pelas suas fraquezas, por pouco relevantes que possam ser. E neste exercício de derrube de ídolos se compraz a mediocridade que, por um momento, se sente grande ao destruir e nivelar à sua medida o que é maior do que ela.
A título de exemplo, refira-se o que nos é dado por Lytton Strachey, biógrafo da Rainha Vitória. A Inglaterra, governada pelo common sense, pelo pragmatismo tão tipicamente inglês, profundamente empenhada na industrialização e no capitalismo financeiro, precisou de um símbolo, de uma ideia que mobilizasse todos e cada um, que apelasse a um ideal que superasse o contingente, o material. Os contemporâneos de Vitória encontraram esse ideal na ideia de Império, encarnado na Coroa “with its venerable antiquity, its sacred associations, its imposing spectacular array”.
Naturalmente, as referências mudam consoante o tempo e a geografia, mas a necessidade delas não. Citando novamente Strachey, constituem “that mystical element which, as it seems, can never quite be eradicated from the affairs of men”.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Preso por ter cão...

Em certos blogues, o Dr. Mário Soares é criticado por, ao sofrer uma indisposição, não ter recorrido a um hospital público, atitude tida por incoerente por parte de um defensor do SNS. Todavia, se o tivesse feito, choveriam comentários acusando o Dr. Soares de, possuindo recursos para recorrer a um estabelecimento de saúde privado, ter ocupado uma cama que deixaria assim de estar disponível para um doente de poucos recursos. De facto, criticar é um exercício muito fácil.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Iniquidades

A taxa de imposto exigida em França aos cidadãos com rendimentos superiores a um milhão de euros é uma iniquidade. O Estado não pode, por uma elementar questão ética, reter três quartos dos rendimentos dos seus cidadãos, por muito elevados que sejam. Assim entendeu, e bem, o Tribunal Constitucional e assim devia entender, se tivesse uma réstia de bom senso, o Presidente Hollande.
Porém, a atitude de alguns dos atingidos por esta medida não é menos iníqua. A solicitação feita por alguns de naturalização em países com taxas de imposto mais baixas é, antes de mais, uma demissão cívica. De facto, estes cidadãos, seguramente pessoas influentes, deviam ter optado não por sair do país onde nasceram e fizeram a sua fortuna, mas combater com os meios que o próprio Estado – porque democrático – lhes garante, a absurda lei.
Por outro lado, ao abandonarem a França, manifestam uma atitude egoísta, pois muitos dos seus concidadãos, menos ricos do que eles, pagam também taxas elevadas mas, contrariamente a eles, não têm nem suficientes meios financeiros, nem uma rede de influências que lhes permitisse, se assim o entendessem, sair do país.
O caso de Gérard Depardieu é lamentavelmente irónico. Se tivesse nascido no país cuja nacionalidade requereu – a Rússia – teria crescido num país comunista, onde não havia liberdade de expressão e o artistas desafectos ao regime eram perseguidos e forçados ao exílio ou condenados à prisão e à miséria. Se fosse russo de nascença, Depardieu não teria feito a carreira que o tornou famoso e lhe permitiu arrecadar a fortuna que fez dele alvo da lei fiscal francesa. Inclusivamente, não teria tido a liberdade para desempenhar muitos dos papéis que levou à cena, a menos que se exilasse num país livre, por exemplo, a França, de que agora quer fugir.
A fuga aos abusos do Estado só é admissível quando a vida ou a liberdade do cidadão está em causa. Não sendo este o caso, a única atitude digna é permanecer no país e combatê-los com coragem e determinação. Em França, contrariamente à União Soviética e, muito provavelmente, à Rússia de Putin, isso é possível. Depardieu, e todos aqueles que tomaram uma atitude semelhante à sua, revelam falta de coragem e de sentido patriótico e cidadão, valores de que os franceses, curiosamente, tanto se gabam.