quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Revisão



O Governo, que agora denuncia a Constituição da República, por considerá-la desajustada da realidade presente e de ter uma determinada orientação ideológica, não deixa de ter parcialmente razão. De facto, a Lei Fundamental foi elaborada no pior momento possível, no decurso de um período revolucionário que condicionou a liberdade dos deputados constituintes, limitados pela imposição do Pacto MFA/Partidos e pela pressão da rua, controlada  pelo PCP e pela extrema-esquerda, com o respaldo de alguns sectores militares.
Idealmente, um documento desta relevância deve ser elaborado em período de paz social e política, sem pressões de qualquer espécie. Por definição, não sendo imutável, a Constituição deve ser perene, devendo definir as regras básicas de funcionamento do Estado e da Sociedade, sem plasmar qualquer tendência doutrinária ou ideológica. Assim não sucedeu, infelizmente, no período de 1975-76.
Porém, da mesma forma que o período revolucionário moldou a Constituição, distorcendo-a num determinado sentido, uma revisão efectuada no presente contexto, também ele de grave crise, limitará necessariamente a margem de manobra dos deputados, forçando-os a reelaborar o texto constitucional em função de critérios conjunturais. Assim, o argumento do Governo perde validade. Se os governantes pretendem rever a Constituição, libertando-a das contingências da revolução, que o façam -  estão no seu direito - mas não para a agrilhoarem, desta feita, às contingências da crise financeira.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

It's politics, stupid!

A estratégia é simples: Passos Coelho propõe uma renegociação do Memorando, fazendo-a depender da revisão constitucional, revisão essa que sabe que o PS não aceitará. Desta forma, culpa Seguro pela manutenção da actual política de austeridade

domingo, 14 de outubro de 2012

Não há direito, Senhor Bastonário!

O senhor Bastonário da Ordem dos Advogados, com a sua proverbial verborreia, declarou que as medidas de austeridade definidas pelo Governo são decisões políticas e que, consequentmente, não deverão ser escrutinadas pelos tribunais. Ora, a posição sustentada por Marinho Pinto, se levada às últimas consequências, conduziria à ditadura. Se os tribunais deixassem de ter legitimidade para avaliar da legalidade e constitucionalidade dos diplomas, todas as decisões políticas seriam possíveis, ou seja, o poder  executivo tornar-se-ia irrestrito.
Que o Bastonário da Ordem dos Advogados, movido, como é sabido, por um mesquinho ódio corporativo à magistratura, ignore o fundamental princípio do império da lei, sobre o qual assenta o Estado de Direito, é por demais grave e devia motivar o seu imediato afastamento do cargo.

sábado, 13 de outubro de 2012

Com o devido respeito...

.... as declarações do Senhor Cardeal Patriarca acerca das manifestações recentemente organizadas no país – a terem sido reproduzidas com precisão pela imprensa – causaram-me algum desapontamento.
A  democracia não se circunscreve ao voto, exercendo-se de múltiplas formas, inclusivamente através de manifestações, eventos perfeitamente comuns em todos os países livres e um direito constitucionalmente consagrado. A manifestação é um acto democrático, tal como o voto, a petição ou o abaixo-assinado, é uma forma mais de exercício cívico e que não anula as demais. Se tivermos ainda em conta que as manifestações em Portugal têm decorrido de forma pacífica e conforme os ditames da lei – contrariamente ao que sucede em Espanha e na Grécia – as palavras do Senhor D. José Policarpo tornam-se ainda menos compreensíveis.
Por outro lado, conhecendo a Igreja Católica muito bem a situação social do país, dado o seu precioso contributo para acudir aos que, em número crescente, procuram aliviar a miséria em que se encontram através da caridade cristã, a aparente incompreensão de Sua Eminência em relação às manifestações e às suas causas é verdadeiramente surpreendente.