quarta-feira, 9 de maio de 2012

Praise the Lords


A reforma constitucional hoje anunciada pelo Governo britânico no Queen’s Speech, que contempla a eliminação dos poucos lugares ainda reservados aos pares hereditários na Câmara dos Lordes, é uma medida perigosa e injusta.
Perigosa porque ao pôr em causa o princípio hereditário como condição de acesso a um cargo público põe, em última instância, em xeque a própria Monarquia.
Injusta porque suprime a representação da aristocracia do derradeiro orgão de soberania onde ainda tinha assento, grupo social que esteve no epicentro da vida política no Reino Unido pelo menos até à II Guerra Mundial, altura em que a nobreza do resto da Europa já não desempenhava um papel relevante na vida pública, tendo sido inestimável o seu contributo para que este país fosse o que hoje é – uma grande nação e a mais antiga e sólida democracia do Mundo. De facto, relutantemente ou não, a aristocracia britânica aceitou – contrariamente a muitos dos seus pares em alguns países do continente – a democratização do sistema político, à custa do seu próprio poder. Há que não esquecer que os governos que promulgaram, com a necessária aprovação da Câmara dos Lordes, as sucessivas Reform Bills que alargaram o sufrágio popular, contavam, no seu elenco, com vários titulares. Por outro lado, os aristocratas nunca se furtaram a servir o seu país não apenas no Executivo, mas também nas Forças Armadas, na Diplomacia e na Magistratura, além de terem assumido – mais uma vez ao contrário dos nobres continentais – um papel relevante no progresso económico do país, investindo, empreendendo. Exemplo dessa ética de serviço público foi a participação do pariato na Grande Guerra: percentualmente, foi o grupo social mais afectado pelo conflito, pois um em cada cinco aristocratas que partiu para o campo de batalha – e foram muitos – não regressou a casa.
Não parece, pois, justo que este extracto da sociedade britânica seja liminarmente arredado dos assuntos públicos e não apenas por razões históricas, embora estas sejam importantes, pois um povo não deve esquecer o seu passado: afinal de contas nós somos o que fomos. Com efeito, a nobreza britânica tem, a meu ver, um papel a desempenhar no Reino Unido do Século XXI: além da experiência secular de serviço público, que constitui um inestimável asset, muitos aristocratas, afastados das mundanidades de uma alta sociedade que entretanto desapareceu, retiraram-se para as suas propriedades no campo, assumindo-se actualmente como porta-vozes do mundo rural, praticamente esquecido pelos políticos de Westminster. Por outro lado, na qualidade de proprietários de residências históricas e de um património histórico de vulto, numerosos pares chamaram a si a causa da defesa do património, valor tantas vezes esquecido nestes tempos utilitários e obsessivamente centrados no dinheiro.
A presença da nobreza na Câmara dos Lordes, parece, assim, plenamente justificada. O seu afastamento só se compreende, portanto, ou à luz do ódio de classe, que um governo de maioria conservadora devia de todo evitar, porque contrário aos seus valores e ao próprio interesse nacional, ou a uma mauvaise conscience do senhor Cameron, que possivelmente não se sente confortável com a sua própria condição de aristocrata.

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