terça-feira, 17 de julho de 2012

O PS e o Altar

As declarações de D. Januário Torgal Ferreira ontem na TVI24 são inconcebíveis. Não só destratou os membros do Governo – politicamente questionável, como todos em democracia, mas legítimo, porque eleito pelo voto do povo – como, de uma assentada, pôs em causa a honestidade de todos os seus membros, leviandade inaceitável. Mais, estabelecendo uma analogia com a visão cristã do mundo, comparou este governo e o anterior aos anjos e demónios. Para além de ser extraordinário alguém classificar pessoas como José Sócrates, Mário Lino ou Paulo Campos de anjos, este paralelismo é, a todos os níveis, absurdo, além de revelar um sectarismo partidário desaconselhável a um membro da Igreja Católica.
É bem sabido que a Igreja estabeleceu desde cedo relações de proximidade com o PS. No período revolucionário, contra a ofensiva comunista e da extrema-esquerda, que ameaçava a democracia; mais tarde, porque o sector moderado do progressismo católico se acantonou naquele partido, sector esse visto com simpatia por parte da hierarquia,  fruto do posicionamento mais à esquerda de uns, bem como pelo desejo de uma demarcação rápida e ostensiva do Estado Novo de outros, mais facilmente assegurada por uma maior afinidade com os progressistas do que com os conservadores. Por outro lado, estando certa que jamais o PSD e o CDS lhe seriam hostis, porque partidos com eleitorado maioritariamente católico, a Igreja sempre namorou o PS, a unica força política da área da governação de onde poderiam partir ameaças à sua posição. Não sendo particularmente saudável esta relação, porque tendenciosa, ela assume, porém, proporções intoleráveis, quando a Igreja apoia notoriamente este partido. O quase silêncio da hierarquia em relação aos governos Sócrates que, ao legislar sobre o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, foram os executivos que mais feriram a Igreja desde os tempos de Afonso Costa e o contraste entre a parcimónia de comentários  sobre a política económica e social daqueles governos e as posições que em relação à coligação PSD/CDS se têm ouvido, permitem concluir que não existe nesta a exigível equidistância entre as forças políticas. Não deixa de ser verdade que a pobreza aumentou no último ano, mas não é menos verdade que tal é consequência da governação anterior, razão porque não é aceitável esta duplicidade de critérios.
 A Igreja não tem, nem deve ter, partido. E isso ficou claro, desde logo, numa passagem do Evangelho Segundo São Mateus. Parece, assim, sensato que alguns membros da hierarquia dispensem menos do seu tempo a fazer comentários televisivos e se ocupem mais da releitura das Sagradas Escrituras.

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