terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Muita potestas e pouca auctoritas

A exigência, por parte do Ministério da Segurança Social, da devolução de verbas indevidamente pagas a milhares de beneficiários no curto prazo de trinta dias, é mais uma demonstração da relação de prepotência entre o Estado e os cidadãos. Em primeiro lugar, o pagamento de prestações não devidas ou pagas acima do valor estipulado foi, antes de mais, um erro do Estado, não de quem as recebeu, logo, deveria assumi-lo. Já que o não faz, devia pelo menos mostrar maior condescendência e não exigir, no tom ameaçador com que o Estado habitualmente comunica com os cidadãos, a devolução das quantias supostamente devidas num prazo tão curto.
Por outro lado, o Ministério ordena a devolução de prestações pagas desde 2004, ou seja, verbas que foram pagas há seis, sete, oito anos e que – digo eu, na minha ignorância sobre leis – provavelmente já prescreveram, o que, a ser assim, configura uma ilegalidade.
A avidez pelo dinheiro é tal que o Governo não se coibe de cometer arbitrariedades, prepotências e, no limite, de violar a Constituição, como possivelmente sucede com os corte dos subsídios de Natal e de férias. Esta avidez fez estalar a fina camada de verniz democrático que cobre o Estado português, revelando-se, sob as brechas, o Estado autoritário, que despreza os cidadãos e que estes nunca respeitaram – porque nunca se deu ao respeito - mas que sempre temeram, pois os poderes públicos em Portugal sempre se afirmaram não pelo exemplo, mas pelo uso pouco escrupuloso da autoridade.
É triste que os tiques autoritários do Estado não tenham desaparecido com a instauração da democracia. De facto, os regimes podem ser depostos por decreto, mas os hábitos e os vícios de um sistema, esses, demoram muito tempo a mudar. E, passados quase trinta e seis anos da promulgação da Constituição, a ordem dos factores em Portugal permanece perversamente invertida: são os cidadãos que continuam a servir o Estado e não este que serve aqueles.

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