Causas Perdidas
Blogue de um conservador à maneira de Pessoa "de estilo inglês, isto é, liberal dentro do conservatismo"
sábado, 15 de fevereiro de 2014
O referendo à independência da Escócia
Realiza-se este ano o referendo à independência da Escócia. O argumento daqueles que defendem a sua separação do Reino Unido radica na História, pois a Escócia foi durante séculos um Estado independente, embora frequentemente cobiçado pela Inglaterra. Porém, o argumento histórico tem as suas debilidades, e pode funcionar ao contrário: se é certo que na longa história escocesa se contam centenas de anos de soberania, não é menos certo que há mais de 400 anos ambos os países estão unidos sob um mesmo Rei, e estes quatro séculos também fazem parte da história escocesa; se é também certo que foram duras as refregas entre ambos, o primeiro passo para a união – a aclamação de Jaime V da Escócia como Jaime I de Inglaterra, sucedendo à Rainha Isabel I em 1603 – decorreu sem violência. Acresce ainda que esta união dinástica faz da presente soberana, Isabel II e, naturalmente, dos seus sucessores, descendentes tanto dos reis de Inglaterra, como dos monarcas escoceses. Isto mesmo lembrou a soberana em 1977, perante as duas câmaras do Parlamento britânico: “I number Kings and Queens of England and of Scotland, and Princes of Wales among my ancestors”, para recordar de seguida que “I cannot forget that I was crowned Queen of the United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland.” Ou seja, que o compromisso solenemente assumido pelos monarcas britânicos no seu juramento na Abadia de Westminster é o de governarem os povos de todo o Reino Unido, ao qual se sentem historicamente vinculados.
Mas, para além dos problemas históricos que o referendo à independência levanta, outros há, de carácter mais prático, mas não menos relevantes. Estas quatro centúrias de união propiciaram casamentos entre escoceses e ingleses, galeses e irlandeses, o que coloca uma questão: quem tem legitimidade para votar neste referendo? Quem nasceu na Escócia? Quem, não tendo nascido na Escócia é filho de escoceses? E quem tem mãe escocesa e pai inglês? E quem, tendo nascido em Inglaterra ou em Gales, há muito vive na Escócia? E os ingleses, os galeses e os norte-irlandeses, não terão também o direito de se pronunciar sobre uma decisão que terá implicações no seu futuro?
Há ainda que ter em conta que a Escócia é uma das regiões mais pobres do Reino Unido, sendo beneficiária, numa lógica de repartição solidária de recursos, de parte da riqueza produzida sobretudo em Inglaterra, fluxo que teminará com a separação.
Por outro lado, a já longa união criou uma tendecial especialização das diferentes regiões do país, pensada numa lógica de complementaridade entre as várias partes que o compõem, o que tornará a Escócia carente de bens e serviços que se desenvolveram em terras inglesas ou galesas.
Por fim, coloca-se o problema da pertença da Escócia na União Europeia. Independente, deverá manter-se na Europa ou terá que submeter-se a um processo de adesão, normalmente longo?
O ressurgimento dos nacionalismos na Europa é um passo perigoso que pode fazer retroceder o mapa político do Velho Continente aos tempos anteriores à construção do Estado Moderno, que se caracterizou precisamente pela progressiva união das centenas de pequenos reinos e principados em que estava dividido em unidades políticas de maior dimensão. De certa forma, retornaríamos à Idade Média, que o mesmo é dizer a um continente mais fragmentado e, consequentemente, mais fragilizado, algo que, sobretudo no presente contexto, seria por demais desaconselhável. No caso escocês, nem a História, nem a política, nem a economia justificam satisfatoriamente uma separação. Assim, parafraseando uma personalidade que não nomeio para não ferir susceptibilidades e não criar equívocos, diria que está tudo bem assim e não deve ser de outra maneira.
terça-feira, 11 de fevereiro de 2014
Mexam-se, meus senhores!
É impressionante a passividade da comunidade universitária em relação à política de tábua rasa do Governo em relação ao ensino superior. Desprovendo de meios as universidades, com as restrições orçamentais e a diminuição do número de bolsas, mostrando desconfiança em relação à qualidade da investigação produzida em Portugal, ao promover a imigração de cientistas estrangeiros ao mesmo tempo que empurra para a emigração os cientistas nacionais, a comunidade docente limita a sua reacção a uns inconsequentes abaixo-assinados e a artigos de variável contundência verbal publicados na imprensa.
Ora os professores e dirigentes das universidades são uma elite logo, nessa qualidade, têm o dever de combater de forma mais determinada e, sobretudo, coordenada as orientações que estão a ser seguidas. É o momento de perceberem que as querelas de prima-dona que frequentemente os dividem prejudicam uma acção concertada em defesa de um interesse que é comum e que, por isso mesmo, impõe unidade. É o momento de agirem consequentemente enquanto elite, logo, enquanto grupo com excepcionais responsabilidades em relação aos destinos da nação. Não faz sentido que se fale de sociedade civil ou de reforço da autonomia universitária quando perante políticas erradas e de resultados nefastos, todos se demitem, manietados pela ideia errada, mas generalizada, de que a gestão da res publica é um foro exclusivo dos políticos.
Quanto aos alunos, acham que o assunto nada tem que ver com eles desde que no fim do curso lhes passem um diploma para pendurar na parede do quarto e encher de orgulho as mães, dispensando mais tempo na discussão das praxes do que na qualidade do ensino que lhes é ministrado ou no futuro que o país lhes oferece
Para estes, é o momento de agirem em defesa da qualidade da Universidade, pois o diploma mais não é do que um bonito papel, cuja validade depende da valia dos conhecimentos que atesta. É o momento de exigirem que o investimento que fazem, em esforço e em dinheiro, tenha retorno na formação e nas capacidades adquiridas.
Afinal de contas, isto acaba por ter o seu quê de tristemente irónico: a Universidade, que tanto se queixou das limitações à liberdade que o Estado Novo lhe impôs, agora que finalmente a tem, abdicou de lhe dar uso.
quinta-feira, 9 de janeiro de 2014
Em defesa do verdadeiro capitalismo
Se Lady Thatcher tivesse mantido a lucidez até ao fim dos seus dias, teria decerto morrido atormentada. Convicta defensora do capitalismo, historicamente o único sistema económico que garantiu a democracia política (embora sempre tenha havido Estados não democráticos com economias capitalistas, embora não autênticas, como adiante se explica), decerto teria ficado chocada com a rápida emergência da China, país comunista com economia de tipo capitalista. Se Thatcher acreditava convictamente no capitalismo, não odiava com menos convicção o comunismo, que, com a coragem que apoiantes e adversários unanimemente lhe reconheceram, frontalmente combateu, ao lado do Presidente Reagan.
A emergência de um adversário do Ocidente – dos seus valores, do seu modo de vida e da sua organização política e social – precisamente através do sistema económico que o fez dominante durante séculos é um fenómeno desarmante e que seguramente lhe causaria sérias dúvidas epistemológicas. Com efeito, o declínio do mundo ocidental, de que a Europa está a ser a primeira vítima, está, em parte, a ser causado pelo crescimento desmesurado do dragão chinês, sobretudo pela concorrência imbatível e pela consequente deslocação de capital que promove.
Mas as dúvidas que Thatcher teria, têm-nas todos os que, no seu campo político, conhecem a História, ou porque a viveram, ou porque têm por formação dela conhecimento. Por isso, não surpreende a clivagem geracional que hoje encontramos na direita. Os mais velhos vêem no capitalismo actual motivos de preocupação, pois percebem que o modo de vida que este permitiu construir está a ser destruído por ele. Os mais jovens, sobretudo os que ou desconhecem a História ou convenientemente a esqueceram, sentem um fascínio bacoco com os mistérios de uma circulação financeira descontrolada que ninguém, ou muito poucos, sabem como funciona, com os novos milionários criados em semanas, com os arranha-céus e os consumos sumptuários dos Estados emergentes. Como diz um distinto homem da velha direita, um dos que conheceu a Guerra Fria e que sabe o que nela esteve em causa – o Prof. Adriano Moreira – vivemos na era do neo-riquismo, do fascínio pelo lucro imediato e fácil de poucos à custa do empobrecimento de muitos, entre os quais nos encontramos nós, os ocidentais. Disso não parece ter consciência a nova direita, ofuscada por esse ambiente novo-rico, feito de cifras, percentagens e cotações bolsistas.
Por isso, para aqueles que, na direita, acreditam na democracia, no bem-estar, numa sociedade equitativa e justa e no verdadeiro capitalismo, o actual rumo deste sistema económico é causa de grande preocupação. Concebido como meio de libertação do homem (as gentes de esquerda não pensam assim, pois vêem o sistema capitalista apenas como exploração, mas isso é lá com eles), o capitalismo permitiu a livre iniciativa, a conquista da liberdade pelo trabalho e pela criação de riqueza, a circulação de pessoas e bens, o florescimento das cidades e com elas das artes, da cultura, do debate intelectual; provocou, enfim, o ocaso do modo de organização medieval, que subjugava e oprimia. Com o capitalismo veio a mobilidade social ascendente e com ela a reivindicação de direitos políticos e sociais, primeiro por artífices, mercadores e comerciantes, depois pelos trabalhadores.
Hoje, porém, é o oposto que se verifica: o capitalismo está a pôr em causa a liberdade dos homens e os justos equilíbrios sobre os quais ela se sustenta. Só que ao pôr em causa a liberdade, o capitalismo põe-se a sim mesmo em causa, pois não existe sem aquela, da mesma forma que aquela não existe sem este. Um capitalismo que não serve a liberdade, não é capitalismo, está condenado a novas formas de monopolismo ou oligopolismo, seja de Estado – caso da China – seja de privados, e isto não é capitalismo.
Em suma, sem homens livres, não há livre empresa e sem livre empresa, não há capitalismo. Capitalismo e Liberdade nasceram juntos e completam-se: a negação de um é a negação do outro.
sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
Ao cuidado dos conservadores
A sociedade a que um conservador aspira é a sociedade composta por uma ampla e sólida classe média. Porque o conservador privilegia a paz social e a ordem pública, a existência de uma classe média forte é o melhor garante desses valores. Quando convertidos à democracia, sobretudo depois da Grande Depressão e da II Guerra Mundial, os conservadores perceberam isto: uns, por imperativo ético, consideraram indispensável uma melhoria generalizada das condições de vida – a exemplo dos democratas cristãos que, guiados pela Doutrina Social da Igreja, se tornaram defensores convictos do reformismo social – outros, por pragmatismo, entenderam que uma ampla camada social desproletarizada, proprietária de uma casa, de um automóvel, de algumas poupanças, auferindo de um salário que lhe permitisse uma vida confortável, não desejaria a revolução social e o caos político, por ter muito a perder com ela: a propriedade e o estatuto sócio-económico.
Não surpreende, pois, que o sustentáculo político dos partidos conservadores tenham sido as camadas médias da sociedade. Foi com base neste pressuposto, por exemplo, que a senhora Thatcher quis fazer de cada inglês dono da sua casa.
Assim, é de uma total estupidez a política que vem sendo seguida na Europa, liderada pela conservadora Merkel, e particularmente em Portugal, governado pelos dois partidos do centro-direita. A desqualificação da classe média é não apenas um erro táctico, porque aliena a base eleitoral destes partidos, mas – e bem mais preocupante – é um erro político gigantesco: ao reduzir os extractos médios à condição proletária, o centro-direita europeu está a reconstruir o modelo de sociedade em que Marx descobriu as sementes da revolução. Ora, se o caminho da Europa for a revolução, os conservadores sofrerão a sua total derrota, pois a sua maior missão histórica tem sido precisamente evitá-la.
domingo, 13 de outubro de 2013
Cuidado com esta gente II
Vi há dias na televisão as imagens confrangedoras - presumo que captadas este verão - de filas de arrendatários à porta da Associação dos Inquilinos Lisbonenses. Na sua maioria idosos, alguns esperaram horas de pé, espectantes e ansiosos para saber da sua sorte quanto ao valor das rendas a pagar ou à possibilidade de se verem despejados (o que sucederá em massa daqui a cinco anos, mas isso não parece perturbar a consciência cristã da ministra Cristas que, por essa altura, estará certamente instalada numa choruda sinecura). Sinceramente, senti-me constrangido por ver dezenas de pessoas sobressaltadas quanto ao seu futuro, precisamente na fase da vida em que deviam ter maior sossego. E pergunto-me até que ponto terá sido a troika que impôs esta lei. Tenho dúvidas. Nem a competitividade da economia, nem a correcção do défice, nem o pagamento da dívida a justificam. Pelo contrário; se, como está previsto, daqui a cinco anos o Estado passar a subsidiar os inquilinos sem posses, a despesa pública aumentará.
Daqui se conclui, portanto, que a lei das rendas é um objectivo do Governo, que usou a troika como pretexto para aprovar um diploma necessariamente controverso, passando - numa atitude cobarde - as culpas para terceiros. Mais uma vez afirmo: cuidado com esta gente!
quarta-feira, 9 de outubro de 2013
Cuidado com esta gente!
Os cortes nas pensões de sobrevivência constituem o maior ataque ao sistema de Segurança Social jamais visto. E porquê? Porque ao fazer depender a definição do seu valor não dos descontos feitos pelo pensionista falecido, mas da condição de recursos o cônjuge sobrevivo, transforma a pensão num subsídio, enfraquecendo juridicamente a prestação social. Porque o subsídio não depende de um valor concreto de contribuições, o Estado tem mais força na atribuição deste valor, na medida em que este depende mais da sua liberalidade do que de uma correspondência directa entre o valor da prestação social paga e o valor dos descontos efectuados para o efeito; por outro lado, a condição de recursos é menos objectiva (o Estado pode definir por recursos o que entender) do que a referida relação descontos/pensão. Mas a consequência mais grave não é esta; ao transformar a pensão de reforma num subsídio, abre-se a Caixa de Pandora que permitirá ao Estado no futuro diminuir o valor das próprias pensões. Recorrendo à mesma retórica vazia da justiça social com que justifica o presente corte, dirão que um pensionista que receba uma pensão de x, mas que tenha outras fontes de rendimento, propriedade imobiliária, ou aplicações financeiras de um determinado montante, não precisa que a Segurança Social lhe pague o montante que recebe, mas apenas uma parte. Assim, e até pelo valor do corte previsto – 100 milhões de euros – a única razão que justifica os cortes anunciados é ideológica, pretendendo o Governo tão só, como se disse, debilitar o conceito de pensão de reforma. Cuidado com esta gente!
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
Interesse nacional
Pense o que pensar da Constituição, o dever primeiro do Governo de Portugal é defender as leis do país e, por maioria de razão, a Lei Fundamental, porque nelas assentam o Estado de Direito e a soberania nacional. Consequentemente, é sua obrigação, nas negociações com a Troika, defender como pressuposto que toda e qualquer reforma ou medida de austeridade não pode chocar com o corpus jurídico da Nação. Assim, ao invés de atacar a CRP, o Governo - apesar das reservas que possa ter em relação a esta - tem o dever patriótico de a defender. E se, mesmo assim, a Troika persistir na sua política, deve responsabilizá-la pelas consequências desta, ou seja, o colapso do regime político. Duvido que o BCE, o FMI, e sobretudo a Comissão Europeia queiram ficar com o ónus do colapso de uma democracia estável, cujo resultado seria a falência não apenas da moeda única, mas da própria UE. É necessária, pois, coragem para assumir esta posição. No estado em que as coisas estão não é com subserviência que melhor se serve o interesse nacional e se este Governo não for capaz de o fazer, imperioso se torna que outro o faça.
segunda-feira, 8 de abril de 2013
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
Ainda a propósito do Grândola, Vila Morena
Muito se tem falado sobre as interpelações de que vários ministros foram alvo nos últimos dias ao som da canção Grândola, Vila Morena. Confesso que não simpatizo particularmente com a música, não por razões estéticas, mas por motivos políticos, pois embora tenha sido a senha que deu marcha ao golpe militar de 25 de Abril, transformou-se, com o tempo, no símbolo de um projecto de revolução que, a ter tido sucesso, teria desviado o país do rumo para a democracia que o MFA prometera ao país.
Porém, em certos sectores tem-se ouvido um clamor, a meu ver exagerado e tremendista, sobre estes episódios. Fala-se de atentados à liberdade de expressão, à democracia, como se a revolução pelas armas estivesse ali ao virar da esquina. Mais uma vez a direita portuguesa mostra o seu medo atávico da rua. Falam destas manifestações, essencialmente pacíficas, como se fossem cortes de cabeça.
Embora não aprecie este tipo de protestos, não só os compreendo como não os considero, de todo, actos ilegítimos. Com efeito, a população portuguesa está justificadamente descontente com a situação económica e financeira que o país atravessa, mas também insatisfeita com a degradação do sistema político e partidário, que – essa sim – pode, a prazo, fazer perigar a democracia. Estes actos de protesto, num país pouco dado a eles são, em suma, a expressão não apenas do empobrecimento da população, mas sobretudo da descrença e do desapontamento com um regime que está doente e a prova disso é o facto de o principal alvo destas manifestações ser Miguel Relvas, um símbolo bem evidente da degradação da vida pública.
Por isso, causa-me alguma irritação esta gente que berra “Aqui d’el Rei!”, sempre que um grupo de cidadãos se põe a cantar. E, sintomaticamente, teve que ser um estrangeiro, Viviane Reding, uma mulher de direita, a dar aos seus pares uma lição de democracia, colocando a questão nos devidos termos, ao dizer – e muito bem - que feliz é um povo que se expressa cantando ao invés de partir montras e arremessar cocktails molotov. Bom seria que a direita nativa percebesse isto, de uma vez por todas.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
A proposta de Obama
A proposta de um acordo de comércio livre entre os Estados Unidos e a UE pode ser um momento de viragem na actual situação económica do mundo, mas o seu alcance maior é político. Obama percebeu que o enfraquecimento económico das nações democráticas porá, a prazo, em causa a própria democracia.
Não apenas porque a emergência de nações não democráticas e, até, anti-democráticas – de que o caso chinês é, de longe, o mais flagrante exemplo – enfraquecerá a defesa da democracia, enquanto sistema de valores desejavelmente aplicável ao maior número possível, como – em consequência do empobrecimento dos países livres – esta poderá soçobrar nas próprias nações que a adoptaram como forma de governo, face às promessas do primeiro tiranete com propostas messiânicas para a saída da crise.
Porque quem dá cartas na economia as dá também, necessariamente, na política, é da maior importância que o bloco democrático não perca o dinamismo económico que sustente a Liberdade, baseada na dignidade do Homem e na concorrência livre, mas justa (só existe livre concorrência, quando justa).
Esta verdade auto-evidente, para usar uma expressão muito americana, foi já compreendida pelo Presidente Obama. Esperemos que os dirigentes europeus a percebam também e se empenhem neste projecto cujo alcance pode ser tão grande como o foi a própria construção europeia, cujos objectivos foram a Paz, a Prosperidade e a Democracia.
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013
Reflexões politicamente incorrectas
Dizia Eça de Queiroz, nos idos de oitocentos, que o cepticismo faz parte do bom gosto. A nossa elite intelectual, a começar por aquela de que o próprio Eça fez parte, pretendendo-se sofisticada, adoptou o cepticismo como atitude civilizada. Definitivamente enterrada a noção de divindidade pelo peso das evidências científicas, progressivamente foram eliminados todos os demais elementos que pudessem padecer do pecado da não-racionalidade. A ideia de nação, de realeza, os heróis pátrios, tudo foi arredado para os depósitos do obscurantismo e do reaccionarismo em nome de uma ideia unívoca de progresso em cuja construção estas peças não cabiam. Outros, de inspiração marxista, consideravam-nos meros intrumentos de dominação das massas alienadas - pensamento que fez escola entre a intelectualidade nativa - o que, não sendo totalmente errado em determinados contextos, está longe de explicar o fenómeno em toda a sua dimensão.
Ficámos assim desprovidos de ideais, de elementos de irracionalidade que, ao contrário do que as nossas cabeças bem pensantes defenderam, desempenham um papel na vida social, conferindo-lhe uma noção de transcendência, de continuidade, que ultrapasse as fronteiras do indivíduo e a mesmice da vida quotidiana. A existência de referências – seja um conceito abstracto de pátria, a realeza, enquanto depositária da história e da tradição, de figuras históricas, que representem determinados valores que nos edifiquem – são relevantes como bússulas que nos auxiliam a cultivar valores pelo exemplo ou a lutar por algo que ultrapasse o interesse próprio.
Ficámos assim desprovidos de ideais, de elementos de irracionalidade que, ao contrário do que as nossas cabeças bem pensantes defenderam, desempenham um papel na vida social, conferindo-lhe uma noção de transcendência, de continuidade, que ultrapasse as fronteiras do indivíduo e a mesmice da vida quotidiana. A existência de referências – seja um conceito abstracto de pátria, a realeza, enquanto depositária da história e da tradição, de figuras históricas, que representem determinados valores que nos edifiquem – são relevantes como bússulas que nos auxiliam a cultivar valores pelo exemplo ou a lutar por algo que ultrapasse o interesse próprio.
Ao invés disso, o cepticismo e o seu irmão, o cinismo, dedicam-se a meticulosamente desconstruir a exemplaridade das instituições tradicionais ou personagens pretéritas, procurando nelas a mácula, o defeito, o vício – que necessariamente se encontram em tudo o que é humano – e ampliam-nos, de tal forma que as suas virtudes, por enormes que sejam, são anuladas pelas suas fraquezas, por pouco relevantes que possam ser. E neste exercício de derrube de ídolos se compraz a mediocridade que, por um momento, se sente grande ao destruir e nivelar à sua medida o que é maior do que ela.
A título de exemplo, refira-se o que nos é dado por Lytton Strachey, biógrafo da Rainha Vitória. A Inglaterra, governada pelo common sense, pelo pragmatismo tão tipicamente inglês, profundamente empenhada na industrialização e no capitalismo financeiro, precisou de um símbolo, de uma ideia que mobilizasse todos e cada um, que apelasse a um ideal que superasse o contingente, o material. Os contemporâneos de Vitória encontraram esse ideal na ideia de Império, encarnado na Coroa “with its venerable antiquity, its sacred associations, its imposing spectacular array”.
Naturalmente, as referências mudam consoante o tempo e a geografia, mas a necessidade delas não. Citando novamente Strachey, constituem “that mystical element which, as it seems, can never quite be eradicated from the affairs of men”.
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
terça-feira, 15 de janeiro de 2013
Preso por ter cão...
Em certos blogues, o Dr. Mário Soares é criticado por, ao sofrer uma indisposição, não ter recorrido a um hospital público, atitude tida por incoerente por parte de um defensor do SNS. Todavia, se o tivesse feito, choveriam comentários acusando o Dr. Soares de, possuindo recursos para recorrer a um estabelecimento de saúde privado, ter ocupado uma cama que deixaria assim de estar disponível para um doente de poucos recursos. De facto, criticar é um exercício muito fácil.
sexta-feira, 4 de janeiro de 2013
Iniquidades
A taxa de imposto exigida em França aos cidadãos com rendimentos superiores a um milhão de euros é uma iniquidade. O Estado não pode, por uma elementar questão ética, reter três quartos dos rendimentos dos seus cidadãos, por muito elevados que sejam. Assim entendeu, e bem, o Tribunal Constitucional e assim devia entender, se tivesse uma réstia de bom senso, o Presidente Hollande.
Porém, a atitude de alguns dos atingidos por esta medida não é menos iníqua. A solicitação feita por alguns de naturalização em países com taxas de imposto mais baixas é, antes de mais, uma demissão cívica. De facto, estes cidadãos, seguramente pessoas influentes, deviam ter optado não por sair do país onde nasceram e fizeram a sua fortuna, mas combater com os meios que o próprio Estado – porque democrático – lhes garante, a absurda lei.
Por outro lado, ao abandonarem a França, manifestam uma atitude egoísta, pois muitos dos seus concidadãos, menos ricos do que eles, pagam também taxas elevadas mas, contrariamente a eles, não têm nem suficientes meios financeiros, nem uma rede de influências que lhes permitisse, se assim o entendessem, sair do país.
O caso de Gérard Depardieu é lamentavelmente irónico. Se tivesse nascido no país cuja nacionalidade requereu – a Rússia – teria crescido num país comunista, onde não havia liberdade de expressão e o artistas desafectos ao regime eram perseguidos e forçados ao exílio ou condenados à prisão e à miséria. Se fosse russo de nascença, Depardieu não teria feito a carreira que o tornou famoso e lhe permitiu arrecadar a fortuna que fez dele alvo da lei fiscal francesa. Inclusivamente, não teria tido a liberdade para desempenhar muitos dos papéis que levou à cena, a menos que se exilasse num país livre, por exemplo, a França, de que agora quer fugir.
A fuga aos abusos do Estado só é admissível quando a vida ou a liberdade do cidadão está em causa. Não sendo este o caso, a única atitude digna é permanecer no país e combatê-los com coragem e determinação. Em França, contrariamente à União Soviética e, muito provavelmente, à Rússia de Putin, isso é possível. Depardieu, e todos aqueles que tomaram uma atitude semelhante à sua, revelam falta de coragem e de sentido patriótico e cidadão, valores de que os franceses, curiosamente, tanto se gabam.
sábado, 29 de dezembro de 2012
Os liberais e a China
Impressiona-me o fascínio mais ou menos inconfessado e saloio de certos auto-proclamados liberais com o milagre económico chinês. As enormes taxas de crescimento, o nascimento quase espontâneo de grandes metrópoles, os grandes investimentos internos e externos, a ostentação de gosto duvidoso dos novos bilionários chineses, tudo isto deslumbra estes liberais que, basbaques, observam com deleite a emergência do dragão adormecido.
Todavia, nada no crescimento da China se deve aos princípios liberais. Há que recordar aos mais esquecidos que o país é governado por um regime comunista, consequentemente centralista e dirigista em matéria económica. Por outro lado, o governo chinês controla com mão de ferro a vida dos cidadãos nos mais diversos aspectos, cerceando fortemente as liberdades individuais, nos campos político, ideológico e religioso, chegando ao cúmulo de interferir na vida das famílias, limitando por decreto – como é de todos sabido – o número de filhos que cada casal pode gerar.
Tudo isto é profundamente anti-liberal e causaria arrepios a Adam Smith, Stuart Mill ou aos autores dos Federalist Papers. Mas aos liberais nativos, não. E porquê? Por uma simples razão: porque, em boa verdade, não são liberais
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
Da pulhice em política
A posição de Passos Coelho em relação às pensões mais elevadas é uma pulhice, um modo de actuação cada vez mais frequente na vida política nacional.
A estratégia é simples e já havia sido usada por Sócrates na batalha que travou contra os juízes a propósito das férias judiciais: apelando aos mais baixos sentimentos das pessoas, explorando a inveja social contra supostos privilegiados, Passos Coelho pretende criar um ambiente de hostilidade contra um grupo alvo – no caso vertente, certos pensionistas - desacreditando-o aos olhos da opinião pública, para depois o atacar com a complacência ou, até, com a aprovação popular. Neste caso, a sua estratégia visa também enfraquecer um eventual chumbo pelo Tribunal Constitucional da taxa aplicada às pensões mais elevadas.
Por outro lado, o primeiro-ministro tem falado das pensões como se estas fossem uma contribuição voluntariosa e benevolente do Estado para com os seus beneficiários. Nada mais falso. As pensões são a prestação que o Estado paga como contrapartida dos descontos que o trabalhador e a respectiva entidade patronal fizeram para a Segurança Social, correpondendo o seu valor às importâncias descontadas. Exceptuam-se as pensões atribuídas a detentores de cargos políticos, que beneficiaram de condições mais favoráveis – essa sim, uma situação injustificável, mas que foi já corrigida para futuros casos - mas que Passos Coelho, ao arrepio do Direito, pretende tornar retroactiva, através desta taxa.
Em suma, Passos denigre primeiro para melhor atacar depois. Como dizia Camus “quando não se tem carácter, é preciso recorrer a um método”.
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
Revisão
O Governo, que agora denuncia a Constituição da República, por considerá-la desajustada da realidade presente e de ter uma determinada orientação ideológica, não deixa de ter parcialmente razão. De facto, a Lei Fundamental foi elaborada no pior momento possível, no decurso de um período revolucionário que condicionou a liberdade dos deputados constituintes, limitados pela imposição do Pacto MFA/Partidos e pela pressão da rua, controlada pelo PCP e pela extrema-esquerda, com o respaldo de alguns sectores militares.
Idealmente, um documento desta relevância deve ser elaborado em período de paz social e política, sem pressões de qualquer espécie. Por definição, não sendo imutável, a Constituição deve ser perene, devendo definir as regras básicas de funcionamento do Estado e da Sociedade, sem plasmar qualquer tendência doutrinária ou ideológica. Assim não sucedeu, infelizmente, no período de 1975-76.
Porém, da mesma forma que o período revolucionário moldou a Constituição, distorcendo-a num determinado sentido, uma revisão efectuada no presente contexto, também ele de grave crise, limitará necessariamente a margem de manobra dos deputados, forçando-os a reelaborar o texto constitucional em função de critérios conjunturais. Assim, o argumento do Governo perde validade. Se os governantes pretendem rever a Constituição, libertando-a das contingências da revolução, que o façam - estão no seu direito - mas não para a agrilhoarem, desta feita, às contingências da crise financeira.
terça-feira, 30 de outubro de 2012
It's politics, stupid!
A estratégia é simples: Passos Coelho propõe uma renegociação do Memorando, fazendo-a depender da revisão constitucional, revisão essa que sabe que o PS não aceitará. Desta forma, culpa Seguro pela manutenção da actual política de austeridade
domingo, 14 de outubro de 2012
Não há direito, Senhor Bastonário!
O senhor Bastonário da Ordem dos Advogados, com a sua proverbial verborreia, declarou que as medidas de austeridade definidas pelo Governo são decisões políticas e que, consequentmente, não deverão ser escrutinadas pelos tribunais. Ora, a posição sustentada por Marinho Pinto, se levada às últimas consequências, conduziria à ditadura. Se os tribunais deixassem de ter legitimidade para avaliar da legalidade e constitucionalidade dos diplomas, todas as decisões políticas seriam possíveis, ou seja, o poder executivo tornar-se-ia irrestrito.
Que o Bastonário da Ordem dos Advogados, movido, como é sabido, por um mesquinho ódio corporativo à magistratura, ignore o fundamental princípio do império da lei, sobre o qual assenta o Estado de Direito, é por demais grave e devia motivar o seu imediato afastamento do cargo.
sábado, 13 de outubro de 2012
Com o devido respeito...
.... as declarações do Senhor Cardeal Patriarca acerca das manifestações recentemente organizadas no país – a terem sido reproduzidas com precisão pela imprensa – causaram-me algum desapontamento.
A democracia não se circunscreve ao voto, exercendo-se de múltiplas formas, inclusivamente através de manifestações, eventos perfeitamente comuns em todos os países livres e um direito constitucionalmente consagrado. A manifestação é um acto democrático, tal como o voto, a petição ou o abaixo-assinado, é uma forma mais de exercício cívico e que não anula as demais. Se tivermos ainda em conta que as manifestações em Portugal têm decorrido de forma pacífica e conforme os ditames da lei – contrariamente ao que sucede em Espanha e na Grécia – as palavras do Senhor D. José Policarpo tornam-se ainda menos compreensíveis.
Por outro lado, conhecendo a Igreja Católica muito bem a situação social do país, dado o seu precioso contributo para acudir aos que, em número crescente, procuram aliviar a miséria em que se encontram através da caridade cristã, a aparente incompreensão de Sua Eminência em relação às manifestações e às suas causas é verdadeiramente surpreendente.
sábado, 29 de setembro de 2012
Portugal no tubo de ensaio
Desde há muito que as elites portuguesas, totalmente desconhecedoras do mundo real e, consequentemente, sem o mínimo do elementar e sensato common sense, fazem do país um laboratório de experiências sociais. Lêem uns livros, normalmente com um atraso de décadas em relação ao resto da Europa, entusiasmam-se e resolvem aplicar sobre o pobre e incauto povo as teorias que lhes causaram êxtases intelectuais.
O republicanos radicais tentaram, no início do Século XX, construir no Portugal católico uma república jacobina. Seguindo o modelo francês, velho de mais de um século, mataram o Rei e perseguiram os padres. No Estado Novo, vários eram os projectos de uma sociedade nova: desde os nacionais-sindicalistas, que sonhavam com um Portugal fascista, com Salazar como uma espécie de Mussolini de toga, passando pelos integralistas, que pretendiam fazer renascer dos rendilhados góticos das igrejas o reino medieval dos concelhos e das cortes.
Depois veio o 25 de Abril, que planeou para a felicidade geral das gentes o socialismo, que assumiu as mais variadas formas: o socialismo à soviética do PC, o maoísta do MRPP ou o socialismo original e português, que o CDS foi obrigado a inventar à última da hora, para não ser ilegalizado pelo MFA.
Agora é o neo-liberalismo: algumas – felizmente poucas – cabeças autoproclamadas bem-pensantes descobriram que o Estado é o pior de todos os males e que os direitos que todos pensavam ser conquistas de civilização são, afinal de contas, a consagração institucional da preguiça e do comodismo nacionais.
E assim vamos, cantando e rindo – cada vez menos – de experiência em experiência, até à explosão final.
Clarificação precisa-se
Pela forma tão convicta quanto arrogante e malcriada como António Borges defendeu a descida da TSU (um exemplo mais de que o dinheiro e o status não são sinónimos de boa educação), não é difícil perceber que a medida foi ideia sua. Aliás, a orientação geral do Governo tem sido decalcada do seu pensamento. Borges sempre se furtou ao escrutínio popular, preferindo a confortável posição de poder atrás do trono, influenciando a governação sem o ónus da exposição pública, que delega naqueles que estão dispostos a desempenhar o pouco digno papel de testas de ferro das suas decisões. Ora, não sendo Borges primeiro-ministro nem membro do Executivo, não é aceitável que determine, sem a necessária legitimidade institucional e democrática, as orientações políticas da Nação. A opacidade é inimiga da democracia, logo, se o PSD e o CDS pretendem que o conselheiro para as privatizações mande no país, das duas uma: ou provocam a demissão de Passos Coelho e propõem Borges ao Presidente da República para o cargo de chefe do Governo ou, caso Cavaco Silva o não aceite (o mais provável), precipitam eleições e apresentam-no como candidato.
O que não é aceitável é que tenhamos dois primeiros-ministros: Passos Coelho, o primeiro-ministro de jure e António Borges, o primeiro-ministro de facto. Clarificação precisa-se.
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
Catalunha
A situação política actual na Catalunha faz descrer da democracia e da classe política. O presidente do Governo regional catalão, Artur Mas, num acto de oportunismo dos mais soezes de que há memória em tempos recentes, veio colocar uma vez mais à discussão a questão da independência da região. O caso parece ser de tal modo sério que o Rei Juan Carlos já se pronunciou sobre ela por duas vezes no espaço de uma semana, circunstância muito rara.
Naturalmente, é admissível que a questão seja debatida, pois em democracia não há assuntos interditos. Fazê-lo, porém, à boleia da crise económica que a Espanha vive presentemente, procurando capitalizar apoios à sua causa aproveitando-se do descontentamento conjuntural gerado pelas dificuldades económicas, é vergonhoso. Por outro lado, a desvinculação do Estado espanhol neste momento, em que todos precisam de todos – é bom não esquecer que o governo catalão pediu há semanas um empréstimo a Madrid, para escapar à falência – seria de um egoísmo atroz. Relutantemente ou não, o facto é que a Catalunha faz parte de uma unidade política há mais de cinco séculos e a constatação de que a sorte de castelhanos, andaluzes ou galegos parece ser indiferente a alguns políticos catalães, revela-nos o estado de degradação a que chegou a política, um autêntico vácuo ético e moral.
Esperemos que os catalães não se deixem enganar pelas manobras desta gente sem qualidades e as repudiem com veemência.
terça-feira, 25 de setembro de 2012
É triste
Ao fazer pesquisas na imprensa, tenho por hábito dar alguma atenção aos anúncios dos espectáculos musicais, nomeadamente os de S. Carlos, da Gulbenkian e do Coliseu do Recreios, bem como aos artigos de crítica que sobre estes eram escritos. Noto que por cá, em meados da década de setenta, a atenção dada aos concertos e óperas era bastante razoável. Por outro lado, não é raro tropeçar em nomes de grandes intérpretes: só hoje, encontrei referências a um Messias de Handel, dirigido por John Eliot Gardiner e a um recital de Edda Moser.
O que me espanta e, simultaneamente me frustra, é o facto de hoje em dia o panorama musical português ser uma pálida sombra do que era nestes tempos (excepção feita à Gulbenkian, que continua a ser o balão de oxigénio que nos vai mantendo intelectualmente vivos, embora já tenha tido melhores tempos). Portugal, no período a que me refiro, era um país mais pobre do que hoje, vivia uma convulsão política e social, tinha a sua população bruscamente acrescida por centenas de milhares de cidadãos recém-chegados do antigo Ultramar sem casa e sem emprego, uma economia desordenada pelas nacionalizações e por surtos grevistas e mesmo assim foi possível trazer aos nossos palcos os maiores artistas do tempo.
O que se passa então actualmente? A culpa não é, não pode ser, só da crise financeira. É culpa sim da exiguidade intelectual de grande parte da elite política, indiferente à cultura porque a não percebem e porque, não dando votos, não interessa.
Até a Grécia, cujas contas públicas estão em estado de maior ruína que o Parténon, mantêm o seu teatro de ópera a funcionar regularmente. Só nós não temos dinheiro para tal – é o que dizem - e mantemos o soberbo Teatro de São Carlos com uma temporada de curto prazo - temporada Outono/Inverno como agora lhe chamam, mais parecendo uma colecção de moda – dependente de dotação orçamental para prosseguir – se Passos Coelho deixar – em 2013.
É triste.
domingo, 23 de setembro de 2012
A monomania do socialismo
Chega a ser engraçado ler blogues como o Blasfémias ou o Insurgente, escritos por gente válida e inteligente, mas aparentemente privados de razão pela monomania do socialismo. Já aqui falei sobre isto, esta gente vê socialistas em cada esquina, escrevem dezenas de posts repetitivos a denunciá-los, com a tenacidade de guardiães do templo, sendo que, para eles, todo aquele que não defenda acriticamente o Governo de Passos Coelho, seja de esquerda ou da direita, monárquico ou republicano, católico ou ateu, é irremediavelmente um socialista.
Sucede que o presente Executivo será porventura o mais socialista dos governos que Portugal já conheceu desde os tempos do general Vasco Gonçalves. De facto, desde o início do presente regime, nunca o Estado consumiu tantos recursos da economia privada – famílias e empresas – como este. Nunca um Governo, por via do esbulho fiscal, condicionou tanto a vida dos cidadãos como este. Nunca um Primeiro-Ministro tratou os portugueses com um paternalismo castigador e pesporrente, como este. Isto sim, é socialismo.
Do arrivismo
Andrew Mitchell, que desempenha as funções de chief whip do Partido Conservador britânico – uma espécie de líder do grupo parlamentar – envolveu-se há dias num conflito com agentes da polícia, quando estacionava a sua bicicleta em Downing St. Na troca de palavras com os agentes da autoridade, ter-lhes-á dito, aos berros, que se pusessem no seu lugar e que não passavam de plebeus.
Ora, para além da irritação que me causam estes conservadores com tiques modernaços, à la Boris Johnson, que entendem que por andarem de bicicleta dão do conservadorismo uma imagem contemporânea e cool, entendo que o comportamento do sr. Mitchell é a vários títulos lamentável e totalmente contrário à tradição tory. Desde logo pelo comportamento desrespeitoso em relação à polícia. Para os conservadores, as forças da autoridade são merecedoras da maior consideração, enquanto representantes da autoridade do Estado e garantes da ordem, tidos como valores fundamentais da sua cultura política. Por outro lado, o seu comportamento revela uma arrogância nova-rica, em completo contraste com a atitude conservadora que, entendendo a sociedade como uma estrutura vertical e estratificada, respeita todos e cada um, independente do lugar que lhe caiba. O dirigente conservador deu uma triste imagem de si mesmo, revelando-se um arrivista, pois quem tem necessidade de lembrar aos outros a respectiva posição na escala social, é porque não está seguro da sua. Ora o arrivismo não é aceitável no partido de Disraeli, Salisbury e Churchill.
Parece que a Cameron não resta alternativa que não a de pôr Mitchell no devido lugar: na rua.
segunda-feira, 17 de setembro de 2012
Ou nos refundamos ou afundamos
Começa a falar-se na imprensa na eventualidade da nomeação de um governo de iniciativa presidencial, consequência talvez da reunião na sexta-feira do Conselho de Estado, na qual, alguns esperam, se delibere nesse sentido.
Numa democracia consolidada, um governo que não saia directamente das urnas não é uma boa solução. Se for adoptada, será apenas a solução possível, solução essa que significa que o actual sistema partidário não foi capaz de exercer um dos seus deveres fundamentais: o de criar governos estáveis. Assim sendo, algo terá que mudar para que a democracia sobreviva: aos partidos, caberá reformarem-se profundamente, para que voltem a desempenhar a missão essencial que lhes cabe no regime; à sociedade civil, competirá mobilizar-se para criar novas forças políticas, que tornem o sistema mais plural e representativo, logo, mais democrático. Em suma, o sistema político-partidário terá que ser profundamente repensado, refundado até.
Se, volvidas quase quatro décadas de democracia, fracassarmos neste propósito, não sei o que se seguirá, mas, o que quer que seja, não será bom seguramente.
Numa democracia consolidada, um governo que não saia directamente das urnas não é uma boa solução. Se for adoptada, será apenas a solução possível, solução essa que significa que o actual sistema partidário não foi capaz de exercer um dos seus deveres fundamentais: o de criar governos estáveis. Assim sendo, algo terá que mudar para que a democracia sobreviva: aos partidos, caberá reformarem-se profundamente, para que voltem a desempenhar a missão essencial que lhes cabe no regime; à sociedade civil, competirá mobilizar-se para criar novas forças políticas, que tornem o sistema mais plural e representativo, logo, mais democrático. Em suma, o sistema político-partidário terá que ser profundamente repensado, refundado até.
Se, volvidas quase quatro décadas de democracia, fracassarmos neste propósito, não sei o que se seguirá, mas, o que quer que seja, não será bom seguramente.
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
O mundo a preto e branco
Em alguns blogues favoráveis à política económica do actual governo, espelha-se o sectarismo que sempre dominou o debate público neste país. Se, nos idos de 75 quem não era socialista era fatalmente fascista, hoje em dia quem não aplaude de pé Passos e Gaspar é socialista. Temos assim a chocante revelação de que personalidades como Manuela Ferreira Leite, Bagão Felix e, pasme-se, o Prof. Adriano Moreira, são socialistas. Esta táctica de desvalorização do adversário, etiquetando-o disto ou daquilo, é uma pura fuga à discussão racional e fundamentada, logo um acto cobarde. É o fruto da mistura explosiva de indigência intelectual - endémica entre nós -, de sectarismo servil - para agradar ao chefe na esperança de uma sinecura - e de uma espécie de clubismo em que os "nossos", só porque o são, têm sempre razão, sendo impensável o reconhecimento de validade ao argumento do adversário, gesto que é fatalmente denunciado - seguindo o velho adágio "quem não está por nós, está contra nós" - como uma traição de vira-casacas.
Posto isto, o debate político em Portugal torna-se impossível, vítima deste bloqueio maniqueísta, que nos manieta e nos condena fatalmente à pobreza das ideias e à verbosidade oca.
Posto isto, o debate político em Portugal torna-se impossível, vítima deste bloqueio maniqueísta, que nos manieta e nos condena fatalmente à pobreza das ideias e à verbosidade oca.
sábado, 8 de setembro de 2012
Quer-me parecer...
... que algumas das medidas anunciadas ontem pelo Primeiro-Ministro são inconstitucionais, nomeadamente a manutenção do corte dos dois subsídios aos pensionistas ( que são oriundos, recorde-se, dos sectores público e privado ). Passos quer definitivamente, como escrevi anteriormente, vingar-se do TC, senão vejamos: se, instado a pronunciar-se sobre estas decisões governamentais, decidir no mesmo sentido, o Governo vitimiza-se, alegando que o tribunal é uma "força de bloqueio" que o impede de exercer o seu mandato; se, pelo contrário, os juízes, sentindo-se pressionados pela ameaça de tal acusação, decidirem em sentido diferente, condenarão a instituição ao descrédito e à irrelevância. Em qualquer dos casos, a posição do TC é ingrata.
Passos revela, de facto, habilidade, mas apenas na jogada política, no tacticismo, na golpada chico-esperta, o que não surpreeende, pois é fundamentalmente um produto partidário.
Passos revela, de facto, habilidade, mas apenas na jogada política, no tacticismo, na golpada chico-esperta, o que não surpreeende, pois é fundamentalmente um produto partidário.
sexta-feira, 7 de setembro de 2012
Em resumo...
... Passos Coelho quis vingar-se do Tribunal Constitucional, fintando o acordão que declarou inconstitucional o corte dos subsídios da função pública através de uma jogada contabilística. O espírito de vingança é um defeito muito grave, ainda mais num chefe de governo. Não estamos no bom caminho, Dr. Passos.
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